José Paulo
Após passar décadas em uma clareira heideggeriana, consegui
sair na floresta do <além da época posmoderna. Pensar a pós-modernidade,
como o anjo barroco que voa para frente olhando para trás, eis o que devo
fazer.
A pós-modernidade se torna uma época no período histórico da
globalização neoliberal. Nessa época, todas as ideias pós-modernas encontram
seu corpo político na economia, política e cultura. A desintegração das
fronteiras entre os campos da economia, política e cultura avança rapidamente.
Se abordou a pós-modernidade a partir de vários prismas. Até marxismo pós-moderno se desenvolveu na
época pós-moderna. Então, partindo dos pós-modernos e da realidade posmoderna
“o trem que volta é o mesmo trem da partida”.
A época pós-moderna se caracteriza pela tela gramatical
pós-moderna em um campo político/estético no qual a arte desaparece, segundo a
profecia de Heidegger. Aí há uma tela gramatical estética de poesia sem arte. Porém,
a característica fundante da época em questão é a produção de ideias mafiosas
em uma tela gramatical de controle total das almas intelectuais em um campo
político/estético mafioso. Na época pós-moderna, o monopólio das ideias mafiosas
e de práticas mafiosas se tornaram o fenômeno hegemônico da história que se
encerra. Antes de ir adiante, não há com o ignorar que o próprio capital financeiro
se tornou um fenômeno mafioso fazendo pendant com a estrutura de dominação mafiosa
da sociedade de comunicação de massa.
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O mais inocente dos filósofos parisienses desintegrou a
fronteira entre o público e o privado:
“o Estado, que é o Estado da classe dominante, não é nem
público nem privado, ele é ao contrário a condição de toda distinção entre o
público e o privado. Digamos a mesma coisa partindo dos nossos Aparelhos
Ideológicos do Estado. Pouco importa se as instituições que s constituem sejam
<públicas> ou <privadas>. O que importa é o seu funcionamento.
Instituições privadas podem perfeitamente <funcionar> como Aparelhos
Ideológicos do Estado. Seria suficiente uma análise um pouco mais profunda de
qualquer dos AIE para mostrá-lo”. (Althusser. 1976: 84).
A ideia do Estado integral de Althusser [e Gramsci] é uma
ideia dos intelectuais mafiosos fascistas. Ela desintegra a separação entre
sociedade civil e Estado, ela faz desaparecer a sociedade civil no interior do
campo do Estado mafioso fascista. O marxismo-leninismo [estalinismo] de
Althusser é a guerra civil mafiosa aberta da luta de classe mafiosa na teoria.
(Althusser. 1973:41). O stalinismo não foi a luta de classe mafiosa do Estado
totalitário da URSS para desintegrar a resistência do campesinato ao grande
capital industrial stalinista e, também, dissolver a tela gramatical barroca do
marxismo barroco de Lenin e Bukharin?
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O campo político da posmodernidade foi descrito por
Baudrillard:
“O transpolítico é a transparência e a obscenidade de todas
as estruturas em um universo desestruturado, a transparência e a obscenidade da
mudança em um universo desistorizado, a transparência e a obscenidade da
informação em um universo sem acontecimento, a transparência e a obscenidade do
espaço na promiscuidade dos canais, a transparência e a obscenidade do social
nas massas, de político no terror [...]... Fim da cena do político, fim da cena
do fantasma, fim da cena do corpo – irrupção do obsceno. Fim do segredo –
irrupção da transparência”. (Baudrillard. 1983: 29).
O transpolítico não é a tela gramatical pós-moderna da
política mafiosa?
A crítica da modernidade:
“É o astro frio do social, em torno de cuja massa a história
arrefece. Os acontecimentos sucedem-se e neutralizam-se na indiferença.
Neutralizadas, falsificadas, pela informação, as massas, por seu turno,
neutralizam a história e funcionam como ecrã de absorção”. (Baudrillard.
1992:11).
As massas não se tornam a tela [ecrã] gramatical pós-moderna
mafiosa da política na soberania popular e na rua? Por tal fato, Bolsonaro se
elegeu presidente e por um triz não se reelegeu. A tela gramatical pós-moderna
ordena que as massas mafiosas bolsonaristas tomem a rua. É o canto do cisne da
pós-modernidade no nosso campo político como grau zero da estética.
Segue, as massas:
“Elas próprias não têm história, não têm sentido, não têm
consciência, não têm desejo. São resíduos potencial de toda a história, de todo
o sentido, de todo o desejo. Todas estas belas coisas, manifestando-se na nossa
modernidade, fomentaram uma contrapartida misteriosa, cujo desconhecimento desorganiza
actualmente todas as estratégias políticas e sociais”. (Baudrillard. 1992: 11).
Para o leitor não permanecer na escuridão, falo das nossas
massas pós-modernas. O PT e o lulismo foram engolfados pelo pós-modernismo
mafioso e as massas deles eram formas transpolíticas que desapareceram no além
da época pós-moderna. Hoje, o PT e o governo lulista não são capazes de levar à
rua as antigas massas mafiosas pós-modernas.
As massas petistas foram as massas da gramática do simulacro
de simulação. O PT e o lulismo detinham um controle absoluto sobre elas:
“- simulacros de simulação, baseados na informação, no
modelo, no jogo cibernético – operacionalidade total, hiper-realidade, objetivo
de controle total”. (Baudrillard. 1981: 177).
A nossa nova modernidade começa com a multidão barroca de
junho de 2013, sem controle total e absoluto: do governo Dilma Rousseff; da
oligarquia política da meia-noite pós-moderna que controla o Congresso; e da
estrutura de dominação mafiosa dos mass media. 2013 é o choque traumático da
nova modernidade com a velha pós-modernidade. Uma crise catastrófica na qual o
velho não quer morrer e procura desintegrar o novo que nasce. Dilma Rousseff
fez uma legislação penal de exceção mafiosa para encarcerar os líderes da
multidão da nova modernidade-manifestantes de junho de 2013.
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O campo político do indivíduo [se tomado pelo simulacro de
simulação] é abdicação da verdade na realidade realmente existente:
“bastara olhar-me de frente, para logo me conhecer a fundo,
sem que eu me sirva das palavras, que são a imagem sincera do pensamento. Não
existe em mim simulação alguma, mostrando-me wu por fora o que sou no coração”.
(Erasmo: 16).
Erasmo descreveu a gramática da tirania/cesarismo fascista,
antecipou:
“E, depois de tudo quanto dissemos, será possível decantar a
célebre máxima de Platão, se3gundo a qual ‘as repúblicas seriam felizes se
governadas pelos filósofos ou se os príncipes filosofassem’? Tenho a honra de
vos dizer que a coisa é justamente o oposto. Se consultardes os historiadores,
verificareis, sem dúvida, que os príncipes mais nocivos à república foram os
que amaram as letras e a filosofia. Parece-me que os dois Catões bastam como
prova do que afirmo.: um perturbou a tranquilidade de Roma com numerosas
delegações estúpidas, e o outro, por ter querido defender com excessiva
sabedoria os interesses da república, destruindo pela base a liberdade do povo
romano”. (Erasmo: 42).
Leo Strauss fala da tirania/cesarismo fascista se
desenvolvendo com concepção política de mundo [ideologia como vontade de poder]
e ciência política mafiosa. (Strauss: 38).
O marxismo-leninismo se desintegrou na década de 1990:
“Agora os espectros de Marx. (mas agora sem conjuntura. Um
agora desajuntado ou desajustado. <Out of joint>, um agora desencaixada
que sempre corre o risco de nada manter junto, na firme conjunção de algum
contexto, cujas bordas seriam ainda determináveis”. (Derrida. 1993: 21).
Há um tempo pós-moderno mafioso?
“O que se diz aqui do tempo é válido também, por conseguinte,
ou por isso mesmo, para a história, mesmo se esta última pode consistir em
consertar, nos efeitos de conjuntura, e se trata aqui do mundo, a disjunção
temporal: The time is out joint, o tempo está desarticulado, demitido,
desconjuntado, deslocado, o tempo está desconcertado, consertado e
desconcertado, desordenado, ao mesmo tempo desregrado e louco. O mundo está
fora dos eixos, o mundo se encontra deportado, fora de si mesmo, desajustado”.
(Derrida. 1993:42).
O tempo louco mafioso é o tempo político da tela gramatical
pós-moderna no campo político da cultura política econômica estética com
cosmopolitismo.
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A posmodernidade mafiosa existe em uma tela gramatical de juízo de
gosto cínico:
“O meio ambiente no qual se desenvolve o cinismo da nova
época se encontra na cultura urbana como na esfera cortesã [...]. Tanto em um
caso como no outro, em cabeças cosmopolitas e inteligentes se vai acumulando um
saber mundano que se move elegantemente entre fatos desnudos e fachadas
convencionais. Desde o mais baixo, isto é, desde a inteligência urbana e
desclassificada, e desde o mais alto, isto é, as cúpulas da consciência
política, chegam sinais ao pensamento formal, sinais que dão testemunho de uma
radical ironização da ética e de conveniências sociais; algo assim como as leis
gerais só existirem para os otários, os tontos, enquanto nos lábios dos
espertos quínicos se esboça essa sonrisa fatalmente inteligente.
Dito de modo mais exato são os poderosos que sorriem, enquanto os plebeus
quínicos deixam ouvir uma gargalhada satírica. No amplo espaço do saber cínico
os extremos se tocam [...]”. (Sloterdijk: 32).
A tela gramatical cínica é aquela do presidencialismo
tirânico/cesarista do riso brutalista do hegemonikón da meia-noite sem luz natural ou artificial-
tendo com objeto o outro. a ética cínica tirânica é proteger o amigo e
prejudicar o outro.
O campo político pós-moderno mafioso tem no cinismo um
fenômeno que modela falas, atos e práticas da classe média de guerra civil
mafiosa. Assim, a consciência cínica revela que a realidade política, social,
econômica e cultural tem como proprietário um poder mafioso irrevogável, um
Estado mafioso e formas de governo nacional e local mafiosos.
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A tela gramatical cínica mafiosa da socialdemocracia cristã
criou um tribunal político mafioso de Estado italiano que julgou e assassinou o
dirigente da política Aldo Moro:
“Todos os grupúsculos terroristas secretos são organizados e
dirigidos por uma hierarquia que permanece clandestina para os próprios
militantes na clandestinidade, o que reflete perfeitamente a divisão do
trabalho e dos papéis próprios desta organização social: na cúpula decide-se e
na base executa-se. A ideologia e a disciplina militar protegem os verdadeiros
chefes de todos os riscos, e a base de toda suspeita. Qualquer serviço secreto
pode inventar uma sigla <revolucionária> e levar a cabo um certo número
de atentados, que a imprensa se encarregará de propagandear, e a partir dos
quais lhe será fácil formar um pequeno grupo de militantes ingênuos, que
dirigirá com a maior das facilidades”. (Sanguinetti: 64).
O Estado mafioso italiano criou um grupo terrorista que
obedecia as ordens táticas do tribunal político mafioso de Estado. Tal
conspiração assassinou Aldo Moro. A estrutura de domi8nação mafiosa dos mass
media difundiram a narrativa da polícia secreta mafiosa sobre o caso Aldo
Moro.
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O livro de Salvatore Lupo esboça a gramática da cultura
política econômica mafiosa. A máfia aparece como uma espécie de <indústria
da violência> (Lupo: 29), capital da violência organizada privada enraizada
na sociedade italiana. Onde ela existe, crime e Estado se confundem; sociedade
civil e sociedade política se tornam fumos machadianosdeassis, fenômenos que se
desintegram na cultura política econômica/estética mafiosa.
A história da máfia sofreu mudanças, seja na Itália, seja nos
EUA. Mas a estrutura original é essa:
“A unidade elementar da organização, chamada na Sicília do
século XIX por nomes do tipo quadrilha, rede, partido, sociedade, irmandade,
nos EUA é chamada então família. Nos fatos, tanto no caso palermitano como no
nova-iorquino, a família de máfia corresponde pouco à família de sangue, e tanto
na América como na Sicília, ontem como hoje, pode ocorrer que, apesar das
ideologias familiares nos conflitos inframafiosos, pais e filhos, irmãos e irmãos,
encontram-se em correntes opostas e se matem entre si”. (Lupo: 40).
A máfia aparece como apogeu da cultura política do homem patriarcal
civil e privada - em armas. A máfia aparece também como um ordenamento jurídico:
“Segundo Romano, a Máfia seria então um ‘ordenamento jurídico’
e um dos muitos ordenamentos fáticos que os grupos organizados formam nas
dobras do tecido social. Em alguns casos esses ordenamentos são declarados
ilegais – ‘Uma sociedade revolucionária ou uma associação para delinquir não
constituirão direito para o Estado que elas querem derrubar ou cujas leis elas
violam, do mesmo modo que uma seita cismática é declarada antijurídica pela
Igreja’- sem que isso mude a substancia do fato, e sem que possa mudá-la o
juízo ético, positivo ou negativo, sobre a finalidade e sobre os métodos dos
grupos em questão Em outros casos, sempre segundo Romano, o Estado será
indiferente aos outros ordenamentos, por não considerá-los prejudiciais ou
concorrentes ao seu próprio”. (Lupo: 54).
Na Itália, como nos EUA, a gramática mafiosa levou à alteração
profunda do Estado nacional? A gramática mafiosa é aquela da economia ilegal
generalizada em toda a sociedade (Lupo: 410), e a quebra do monopólio da violência
do Estado. Há um efeito da cultura política jurídica mafiosa na sociologia política
foucaultiana cínica londrina:
“Um Estado pode ser definido como uma organização política
cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência
para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima daquela de Weber, mas não
destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator de legitimidade”.
(Giddens: 45).
A gramática da máfia virtual se atualiza na sociedade de classes
sociais como parte das classes médias ocidentais. Esse fato nos leva para a
relação ente ilegalidades e classe média como motor da desintegração das
fronteiras da modernidade como publico e privado, Estado legal e ilegal, justo
e injusto, legítimo e ilegítimo etc.
ALTHUSSER, Louis. Réponse a John Lewis. Paris: Maspero, 1973
ALTHUSSER, Louis. Positions. Idéologie et appareils
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BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et Simulation. Paris: Galilée,
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BAUDRILLARD, Jean. Les stratégies fatales. Paris: Grasset,
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BAUDRILLARD, Jean. A ilusão do fim. A greve dos
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DERRIDA, Jacques. Spectres de Marx. Paris: Galilée, 1993
ERASMO DE ROTTERDAM. Elogia da loucura. Pensadores. SP: Abril
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GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP: 2001
LUPO, Salvatore. História da Máfia. SP: UNESP, 2002
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Gianfranco. Do terrorismo e do Estado. Lisboa: Antigona, 1981
SLOTERDIJK, Peter. Crítica de la razón cínica. Vol. 1. Madrid:
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STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1997