quinta-feira, 28 de março de 2024

Posmodernidade - tela gramatical mafiosa

 

José Paulo 

 

Após passar décadas em uma clareira heideggeriana, consegui sair na floresta do <além da época posmoderna. Pensar a pós-modernidade, como o anjo barroco que voa para frente olhando para trás, eis o que devo fazer.

A pós-modernidade se torna uma época no período histórico da globalização neoliberal. Nessa época, todas as ideias pós-modernas encontram seu corpo político na economia, política e cultura. A desintegração das fronteiras entre os campos da economia, política e cultura avança rapidamente. Se abordou a pós-modernidade a partir de vários prismas.  Até marxismo pós-moderno se desenvolveu na época pós-moderna. Então, partindo dos pós-modernos e da realidade posmoderna “o trem que volta é o mesmo trem da partida”.

A época pós-moderna se caracteriza pela tela gramatical pós-moderna em um campo político/estético no qual a arte desaparece, segundo a profecia de Heidegger. Aí há uma tela gramatical estética de poesia sem arte. Porém, a característica fundante da época em questão é a produção de ideias mafiosas em uma tela gramatical de controle total das almas intelectuais em um campo político/estético mafioso. Na época pós-moderna, o monopólio das ideias mafiosas e de práticas mafiosas se tornaram o fenômeno hegemônico da história que se encerra. Antes de ir adiante, não há com o ignorar que o próprio capital financeiro se tornou um fenômeno mafioso fazendo pendant com a estrutura de dominação mafiosa da sociedade de comunicação de massa.      

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O mais inocente dos filósofos parisienses desintegrou a fronteira entre o público e o privado:

“o Estado, que é o Estado da classe dominante, não é nem público nem privado, ele é ao contrário a condição de toda distinção entre o público e o privado. Digamos a mesma coisa partindo dos nossos Aparelhos Ideológicos do Estado. Pouco importa se as instituições que s constituem sejam <públicas> ou <privadas>. O que importa é o seu funcionamento. Instituições privadas podem perfeitamente <funcionar> como Aparelhos Ideológicos do Estado. Seria suficiente uma análise um pouco mais profunda de qualquer dos AIE para mostrá-lo”. (Althusser. 1976: 84).  

A ideia do Estado integral de Althusser [e Gramsci] é uma ideia dos intelectuais mafiosos fascistas. Ela desintegra a separação entre sociedade civil e Estado, ela faz desaparecer a sociedade civil no interior do campo do Estado mafioso fascista. O marxismo-leninismo [estalinismo] de Althusser é a guerra civil mafiosa aberta da luta de classe mafiosa na teoria. (Althusser. 1973:41). O stalinismo não foi a luta de classe mafiosa do Estado totalitário da URSS para desintegrar a resistência do campesinato ao grande capital industrial stalinista e, também, dissolver a tela gramatical barroca do marxismo barroco de Lenin e Bukharin?

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O campo político da posmodernidade foi descrito por Baudrillard:

“O transpolítico é a transparência e a obscenidade de todas as estruturas em um universo desestruturado, a transparência e a obscenidade da mudança em um universo desistorizado, a transparência e a obscenidade da informação em um universo sem acontecimento, a transparência e a obscenidade do espaço na promiscuidade dos canais, a transparência e a obscenidade do social nas massas, de político no terror [...]... Fim da cena do político, fim da cena do fantasma, fim da cena do corpo – irrupção do obsceno. Fim do segredo – irrupção da transparência”. (Baudrillard. 1983: 29).

O transpolítico não é a tela gramatical pós-moderna da política mafiosa?  

A crítica da modernidade:

“É o astro frio do social, em torno de cuja massa a história arrefece. Os acontecimentos sucedem-se e neutralizam-se na indiferença. Neutralizadas, falsificadas, pela informação, as massas, por seu turno, neutralizam a história e funcionam como ecrã de absorção”. (Baudrillard. 1992:11).

As massas não se tornam a tela [ecrã] gramatical pós-moderna mafiosa da política na soberania popular e na rua? Por tal fato, Bolsonaro se elegeu presidente e por um triz não se reelegeu. A tela gramatical pós-moderna ordena que as massas mafiosas bolsonaristas tomem a rua. É o canto do cisne da pós-modernidade no nosso campo político como grau zero da estética.   

Segue, as massas:

“Elas próprias não têm história, não têm sentido, não têm consciência, não têm desejo. São resíduos potencial de toda a história, de todo o sentido, de todo o desejo. Todas estas belas coisas, manifestando-se na nossa modernidade, fomentaram uma contrapartida misteriosa, cujo desconhecimento desorganiza actualmente todas as estratégias políticas e sociais”. (Baudrillard. 1992: 11).

Para o leitor não permanecer na escuridão, falo das nossas massas pós-modernas. O PT e o lulismo foram engolfados pelo pós-modernismo mafioso e as massas deles eram formas transpolíticas que desapareceram no além da época pós-moderna. Hoje, o PT e o governo lulista não são capazes de levar à rua as antigas massas mafiosas pós-modernas.    

As massas petistas foram as massas da gramática do simulacro de simulação. O PT e o lulismo detinham um controle absoluto sobre elas:

“- simulacros de simulação, baseados na informação, no modelo, no jogo cibernético – operacionalidade total, hiper-realidade, objetivo de controle total”. (Baudrillard. 1981: 177).

A nossa nova modernidade começa com a multidão barroca de junho de 2013, sem controle total e absoluto: do governo Dilma Rousseff; da oligarquia política da meia-noite pós-moderna que controla o Congresso; e da estrutura de dominação mafiosa dos mass media. 2013 é o choque traumático da nova modernidade com a velha pós-modernidade. Uma crise catastrófica na qual o velho não quer morrer e procura desintegrar o novo que nasce. Dilma Rousseff fez uma legislação penal de exceção mafiosa para encarcerar os líderes da multidão da nova modernidade-manifestantes de junho de 2013.         

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O campo político do indivíduo [se tomado pelo simulacro de simulação] é abdicação da verdade na realidade realmente existente:

“bastara olhar-me de frente, para logo me conhecer a fundo, sem que eu me sirva das palavras, que são a imagem sincera do pensamento. Não existe em mim simulação alguma, mostrando-me wu por fora o que sou no coração”. (Erasmo: 16).

Erasmo descreveu a gramática da tirania/cesarismo fascista, antecipou:

“E, depois de tudo quanto dissemos, será possível decantar a célebre máxima de Platão, se3gundo a qual ‘as repúblicas seriam felizes se governadas pelos filósofos ou se os príncipes filosofassem’? Tenho a honra de vos dizer que a coisa é justamente o oposto. Se consultardes os historiadores, verificareis, sem dúvida, que os príncipes mais nocivos à república foram os que amaram as letras e a filosofia. Parece-me que os dois Catões bastam como prova do que afirmo.: um perturbou a tranquilidade de Roma com numerosas delegações estúpidas, e o outro, por ter querido defender com excessiva sabedoria os interesses da república, destruindo pela base a liberdade do povo romano”. (Erasmo: 42).

Leo Strauss fala da tirania/cesarismo fascista se desenvolvendo com concepção política de mundo [ideologia como vontade de poder] e ciência política mafiosa. (Strauss: 38).

O marxismo-leninismo se desintegrou na década de 1990:

“Agora os espectros de Marx. (mas agora sem conjuntura. Um agora desajuntado ou desajustado. <Out of joint>, um agora desencaixada que sempre corre o risco de nada manter junto, na firme conjunção de algum contexto, cujas bordas seriam ainda determináveis”. (Derrida. 1993: 21).

Há um tempo pós-moderno mafioso?

“O que se diz aqui do tempo é válido também, por conseguinte, ou por isso mesmo, para a história, mesmo se esta última pode consistir em consertar, nos efeitos de conjuntura, e se trata aqui do mundo, a disjunção temporal: The time is out joint, o tempo está desarticulado, demitido, desconjuntado, deslocado, o tempo está desconcertado, consertado e desconcertado, desordenado, ao mesmo tempo desregrado e louco. O mundo está fora dos eixos, o mundo se encontra deportado, fora de si mesmo, desajustado”. (Derrida. 1993:42).      

O tempo louco mafioso é o tempo político da tela gramatical pós-moderna no campo político da cultura política econômica estética com cosmopolitismo.  

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A posmodernidade mafiosa   existe em uma tela gramatical de juízo de gosto cínico:

“O meio ambiente no qual se desenvolve o cinismo da nova época se encontra na cultura urbana como na esfera cortesã [...]. Tanto em um caso como no outro, em cabeças cosmopolitas e inteligentes se vai acumulando um saber mundano que se move elegantemente entre fatos desnudos e fachadas convencionais. Desde o mais baixo, isto é, desde a inteligência urbana e desclassificada, e desde o mais alto, isto é, as cúpulas da consciência política, chegam sinais ao pensamento formal, sinais que dão testemunho de uma radical ironização da ética e de conveniências sociais; algo assim como as leis gerais só existirem para os otários, os tontos, enquanto nos lábios dos espertos quínicos se esboça essa sonrisa fatalmente inteligente. Dito de modo mais exato são os poderosos que sorriem, enquanto os plebeus quínicos deixam ouvir uma gargalhada satírica. No amplo espaço do saber cínico os extremos se tocam [...]”. (Sloterdijk: 32).     

A tela gramatical cínica é aquela do presidencialismo tirânico/cesarista do riso brutalista do hegemonikón  da meia-noite sem luz natural ou artificial- tendo com objeto o outro. a ética cínica tirânica é proteger o amigo e prejudicar o outro.

O campo político pós-moderno mafioso tem no cinismo um fenômeno que modela falas, atos e práticas da classe média de guerra civil mafiosa. Assim, a consciência cínica revela que a realidade política, social, econômica e cultural tem como proprietário um poder mafioso irrevogável, um Estado mafioso e formas de governo nacional e local mafiosos.  

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A tela gramatical cínica mafiosa da socialdemocracia cristã criou um tribunal político mafioso de Estado italiano que julgou e assassinou o dirigente da política Aldo Moro:

“Todos os grupúsculos terroristas secretos são organizados e dirigidos por uma hierarquia que permanece clandestina para os próprios militantes na clandestinidade, o que reflete perfeitamente a divisão do trabalho e dos papéis próprios desta organização social: na cúpula decide-se e na base executa-se. A ideologia e a disciplina militar protegem os verdadeiros chefes de todos os riscos, e a base de toda suspeita. Qualquer serviço secreto pode inventar uma sigla <revolucionária> e levar a cabo um certo número de atentados, que a imprensa se encarregará de propagandear, e a partir dos quais lhe será fácil formar um pequeno grupo de militantes ingênuos, que dirigirá com a maior das facilidades”. (Sanguinetti: 64).

O Estado mafioso italiano criou um grupo terrorista que obedecia as ordens táticas do tribunal político mafioso de Estado. Tal conspiração assassinou Aldo Moro. A estrutura de domi8nação mafiosa dos mass media difundiram a narrativa da polícia secreta mafiosa sobre o caso Aldo Moro.      

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O livro de Salvatore Lupo esboça a gramática da cultura política econômica mafiosa. A máfia aparece como uma espécie de <indústria da violência> (Lupo: 29), capital da violência organizada privada enraizada na sociedade italiana. Onde ela existe, crime e Estado se confundem; sociedade civil e sociedade política se tornam fumos machadianosdeassis, fenômenos que se desintegram na cultura política econômica/estética mafiosa.

A história da máfia sofreu mudanças, seja na Itália, seja nos EUA. Mas a estrutura original é essa:

“A unidade elementar da organização, chamada na Sicília do século XIX por nomes do tipo quadrilha, rede, partido, sociedade, irmandade, nos EUA é chamada então família. Nos fatos, tanto no caso palermitano como no nova-iorquino, a família de máfia corresponde pouco à família de sangue, e tanto na América como na Sicília, ontem como hoje, pode ocorrer que, apesar das ideologias familiares nos conflitos inframafiosos, pais e filhos, irmãos e irmãos, encontram-se em correntes opostas e se matem entre si”. (Lupo: 40).

A máfia aparece como apogeu da cultura política do homem patriarcal civil e privada - em armas. A máfia aparece também como um ordenamento jurídico:

“Segundo Romano, a Máfia seria então um ‘ordenamento jurídico’ e um dos muitos ordenamentos fáticos que os grupos organizados formam nas dobras do tecido social. Em alguns casos esses ordenamentos são declarados ilegais – ‘Uma sociedade revolucionária ou uma associação para delinquir não constituirão direito para o Estado que elas querem derrubar ou cujas leis elas violam, do mesmo modo que uma seita cismática é declarada antijurídica pela Igreja’- sem que isso mude a substancia do fato, e sem que possa mudá-la o juízo ético, positivo ou negativo, sobre a finalidade e sobre os métodos dos grupos em questão Em outros casos, sempre segundo Romano, o Estado será indiferente aos outros ordenamentos, por não considerá-los prejudiciais ou concorrentes ao seu próprio”. (Lupo: 54).     

Na Itália, como nos EUA, a gramática mafiosa levou à alteração profunda do Estado nacional? A gramática mafiosa é aquela da economia ilegal generalizada em toda a sociedade (Lupo: 410), e a quebra do monopólio da violência do Estado. Há um efeito da cultura política jurídica mafiosa na sociologia política foucaultiana cínica londrina:

“Um Estado pode ser definido como uma organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima daquela de Weber, mas não destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator de legitimidade”. (Giddens: 45).

A gramática da máfia virtual se atualiza na sociedade de classes sociais como parte das classes médias ocidentais. Esse fato nos leva para a relação ente ilegalidades e classe média como motor da desintegração das fronteiras da modernidade como publico e privado, Estado legal e ilegal, justo e injusto, legítimo e ilegítimo etc.

 

ALTHUSSER, Louis. Réponse a John Lewis. Paris: Maspero, 1973

ALTHUSSER, Louis. Positions. Idéologie et appareils idéologiques d’Etat. Paris: Editions Sociales, 1976

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et Simulation. Paris: Galilée, 1981

BAUDRILLARD, Jean. Les stratégies fatales. Paris: Grasset, 1983

BAUDRILLARD, Jean. A ilusão do fim. A greve dos acontecimentos. Lisboa: Terramar, 1992

DERRIDA, Jacques. Spectres de Marx. Paris: Galilée, 1993

ERASMO DE ROTTERDAM. Elogia da loucura. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1972

GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP: 2001

LUPO, Salvatore. História da Máfia. SP: UNESP, 2002    

 SANGUINETTI, Gianfranco. Do terrorismo e do Estado. Lisboa: Antigona, 1981

SLOTERDIJK, Peter. Crítica de la razón cínica. Vol. 1. Madrid: Taurus, 1989

STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1997    

 

 

terça-feira, 26 de março de 2024

Estado mafioso, Colômbia, Rio, Brasil Profundo

 

José Paulo 

 

Um Jornalista da esquerda fala de um Estado mafioso no estado do Rio de Janeiro. Ele é minha fonte primária. O Estado mafioso teria como agente da gramática [que determina a forma de governo fluminense] mafiosa a <cupola> do jogo do bicho. O Jogo do bicho foi o agente real da mudança da forma de governo no Rio, pois a república é federalista: cada estado/província tem a particular [privada] forma de governo. Assim, o jogo do bicho começou a fabricação de uma gramática mafiosa como cópia, adaptado as condições locais, da gramática mafiosa italiana universal.

Com Bolsonaro no governo federal o campo da direita semimorta, moribunda, foi restabelecido pelo fenômeno de massa bolsonarista de um lumpesinato político de classe média mafiosa. 

Especialista na vida das organizações criminosas cariocas, o cientista político heterodoxo Bruno Paez Manso também fala de um Estado mafioso, entre nós.

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A Colômbia se caracterizava pela guerra civil permanente no século XX em um contraponto ao Estado nacional fraco. Tendo como fenômeno central a Igreja moderadora (Roziers: 14), um campo político surgiu na segunda metade do século XX com classes médias modernas urbanas. O antagonismo moderno versus tradicional teve um papel oi9nmportante na guerra civil. Basta lembrar, que a guerrilha conquistou o campesinato e a classe média universitária com o M19. Este chegou a estabelecer um tribunal revolucionário que condenou à morte juízes da Suprema Corte. (Reziers: 15,16). O M19 foi a continuação do estado de guerra civil pelo campo da esquerda.

Uma cultura política, econômica, estética mafiosa emergiu do real do campo político do capitalismo subdesenvolvido. Uma cultura mafiosa da guerra civil por outros meios paramilitares. A região de Antioquia deu origem a primeira máfia da América Latina. (Reziers: 23). A máfia da cocaína colombiana foi um grande impulso para a relação entre economia criminosa e Banco americano. A lavagem do dinheiro narcotráfico foi um fenômeno econômico do <capitalismo criminoso> estudado por S. Platt. (Platt; 2027). Além disso, os EUA combateram Pablo Escobar na guerra civil mafiosa:

“O papel dos serviços americanos na instrumentalização dos Pepes (Perseguidos por Pablo Escobar) resta ainda obscuro (...), mas não é negligenciável. Este verdadeiro <esquadrão da morte> é responsável do assassinato de dezenas de pessoas próximas de Escobar. Certos de seus fundadores presumidos, como Rodolfo Ospina Baraya, antigo colaborador de Escobar, são, segundo fontes diplomáticas colombianas, tornaram-se informantes da DEA. De fato, a CIA conseguiu que narcos colaboram-se, em troca de benefícios do l’US Witness Protection Act A  Bogota; o Tactical Analisis Team da CIA serviu de interface como o <Bloco de Busca>. (Observatoire: 172).

O <bloco de busca> foi uma invenção mafiosa de aliança da Cia com os Pepes. Ele destruiu a máfia de Escobar e o assassinou, pois Pablo não se entregou. A guerra civil mafiosa incluiu uma CIA mafiosa na luta contra Pablo Escobar. O modelo mafioso americano de polícia secreta seria adaptado nas Américas das grandes nações.

O campo político/econômico/estético colombiano era o barroco espanhol do século XVII renascido na América Latina:

“Existe, no início do século, uma cultura internacional, italianizante e hispanizante, que reina nos salões de Paris assim como em Madrid e Roma, em Florença, Mântua ou em Nancy, na Antuérpia ou em Genova. A preponderância espanhola não é uma palavra vã. A pedagogia dos Reverendos Padres fez maravilhas. Uma pesquisa através das Igrejas da França do Sudeste revelaria, por exemplo, o domínio do gosto barroco sobre numerosos ateliers provincianos de escultura de um alto mérito e desconhecidos de Perpignan a Figeac ou Carcassome (...). A influência dos jesuítas é imensa”. (Francastel: 39).

Um general intellect gramatical barroco europeu foi o agente da fundação do campo político barroco do século XVII. Bem! Da Colômbia da cultura política econômica barroca, emerge uma guerra civil barroca no século XX. Esta guerra barroca contemplou o campo da direita paramilitar e da esquerda, essa vinculada com a guerrilha rural e urbana.

A máfia da cocaína surge a partir da demanda da sociedade narcose mundial. (Freud:100).

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O Cartel de Medellín foi a <sociedade do espetáculo> mafiosa em choque traumático como Estado nacional e local. O Cartel de Cali foi a recusa de qualquer e todo confronto com o Estado. Cali é a razão mafiosa latino-americana do homo oeconomicus (Riziers: 279-280) análoga à razão do capitalismo subdesenvolvido. Trata-se de um aprofundamento mafioso da estrutura de dominação do capitalismo subdesenvolvido - que teria seu apogeu no México.

 O campo político mafioso faz a junção da economia criminosa com a economia legal capitalista. Um campo político que faz desaparecer a fronteira entre: público e privado, campo político do indivíduo e campo político da sociedade/Estado por sua estrutura de dominação patrimonialista cesarista. Assim, a forma de governo colombiana aparece como uma forma de governo mafiosa latino-americana tirânica.  Já o Estado colombiano se autofabrica como Estado mafioso tirânico/barroco.

No Brasil, o governo de Bolsonaro foi o criador de uma tela gramatical mafiosa cesarista brutalista no grau zero da estética do <Brasil Profundo>:

“O governo de Bolsonaro não é um raio em um céu azul na política nacional. Ele não é, diretamente, um produto da luta de classes da sociedade formal. Ele não é um efeito da história capitalista formal e legal. Ele é consequência da evolução da economia urbana informal, aberta às ilegalidades, em todo o país, mas, especialmente no Rio de Janeiro”.

“Uma economia urbana carioca informal é a fonte de poder na formação do bando clânico de Bolsonaro. Esta economia é conhecida com nome de “miliciano”. A família de Bolsonaro acumula sua riqueza explorando as técnicas ensinadas pela economia miliciana. Ela usa um modelo mental miliciano para acumular riqueza pública - transformando-a em riqueza familial, riqueza privada”. (Bandeira da Silveira. 2021: cap. 2).

O Brasil Profundo é o motor histórico de produção e movimento da guerra civil do lumpesinato político das classes médias no grau zero da estética, na superfície profunda da escuridão da meia-noite se luz natural ou artificial.             

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No Além da época pósmoderna, o Brasil Profundo é a metamorfose da guerra civil permanente mafiosa do campo da nova direita:

“Como relação social de produção, o capital é mercadoria, capital mercantil, capital comercial, capital industrial, capital fictício etc. As partes ou frações do capital não estão subsumidas a um todo, a um capital que englobe todos os fragmentos de capital. No campo político, as partes do capital lutam para dominar as instituições do Estado, que são pedaços de Estado como governo nacional, parlamento, judiciário que se despedaça em mil partes, governos locais, burocracia pública. O Estado nacional não é uma totalidade. Como a filosofia da identidade opera com totalidade e conceito, ela “explica” a existência e reprodução da sociedade a partir do capital como um todo. Este todo da identidade é como se fosse dominação, coerção, segurança burguesa, e hegemonia sobre o Estado e sociedade. Tal ilusão é um pressuposto do agir dos agentes no campo político”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap.26).

Vivemos em uma época cibernética:

“A técnica cibernética faz parte do campo político alterando-o e se apresentando como uma concepção política de mundo cesarista no regime virtualmente democrático de 1988. Do passado, o regime 1988 herdou a oligarquia política patrimonial com sua ideologia de que não existe distinção entre público e o privado na apropriação da mais-valia pública. Também, herdou uma burguesia com uma ideologia econômica de indistinção entre privado capitalista e Estado. Esta ideologia do moderno-tradicional-burguês é articulação do campo político cesarista-burguês no regime-88”.  (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 36). Assim, seguimos e falemos da estética política no além da época pós-moderna.

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Roziers tem um capítulo muito interessante sobre a estética política mafiosa colombiana. (Roziers: 280-288). No gosto popular barroco mafioso, a rumba apareceu nos filmes sobre Medellín como o êxtase sexual de Pablo Escobar e amigos, e belas jovens prostitutas. A estética política mafiosa é integrada à cultura nacional popular colombiana.

No Brasil, a estética política mafiosa é carioca. O samba da escola de samba é o símbolo de laço social entre o bicheiro e a multidão popular e de classe média que desfilam na escola de samba do Sambódromo. O populista de esquerda Brizola e seu parceiro Darcy Ribeiro construíram a catedral gótica do samba do jogo do bicho, antes do jogo se transformar em uma máfia carioca.

Como esquecer Caetano, Betania e o deputado Arthur Lira desfilando no Sambódromo. Este foi copiado por inúmeras capitais, fazendo da arquitetura populista do jogo do bicho um monumento nacional ao lado da modernista Brasília.      

O Brasil não conhece o Brasil!

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, josé Paulo. Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

ROZIERS, Philippe Burin des. Cultures mafieuses. L’exemple colombien. Paris: Stock, 1995

FREUD. Obras Completas. O mal-estar na civilização. V. 21. RJ: Imago, 1974

FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. SP: Perspectiva, 1965

OBSERVATOIRE. État des drogues, drogue des États. Paris: Hachette, 1994      

PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017

    

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segunda-feira, 25 de março de 2024

ESTADO MAFIOSO

 

José Paulo 

 

Um Jornalista da esquerda fala de um Estado mafioso no estado do Rio de Janeiro. Ele é minha fonte primária. O Estado mafioso teria como agente da gramática [que determina a forma de governo fluminense] mafiosa a <cupola> do jogo do bicho. O Jogo do bicho foi o agente real da mudança da forma de governo no Rio, pois a república é federalista: cada estado/província tem a particular [privada] forma de governo. Assim, o jogo do bicho começou a fabricação de uma gramática mafiosa como cópia, adaptado as condições locais, da gramática mafiosa italiana universal.

Com Bolsonaro no governo federal o campo da direita semimorta, moribunda, foi restabelecido pelo fenômeno de massa bolsonarista de um lumpesinato político de classe média mafiosa.  

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 23 de março de 2024

Evangelismo neoconservador, revolução e guerra civil

 

J.osé Paulo 

 

O campo político/estético é dirigido e regulado por uma plurivocidade de tela gramatical. Um fenômeno do regime constitucional de 1988 é o evangelismo radical neoconservador do americanismo.

O evangelismo radical invade o campo político-88 ao se constituir como uma cultura política econômica que ergue uma tela gramatical neoconservadora radical. Como o evangelismo significa dezenas de milhões de ´pessoas [sendo maioria mulheres] é preciso todo cuidado na análise desse fato/artefato.

O evangelismo é a massa religiosa habitando o campo político/estético através da soberania popular e rua. O pastor se tornou um agente da política brasileira que levou ao governo nacional Jair Messias Bolsonaro e quase o reelegeu, em 2022. O evangelismo é um fenômeno que se define como negação do campo da esquerda lulista/petista. Lula o derrotou em outubro de 2022, ao jogar Bolsonaro para a superfície profunda da meia-noite do campo político/estético-88.

Começo análise pela relação do evangelismo com a Constituição de 1988.  O evangelismo neoconservador tem uma posição dentro das <quatro linhas> da Constituição?

“VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. (Constituição: 18).

O evangelismo radical aparece como uma religião das classes populares brancas que estabelecem a guerra civil racial contra as classes populares pobres negra e mestiça. No campo político religioso/estético, o evangelismo faz das religiões afro-brasileira um objeto de ataque [inimigo no território do sagrado], em uma guerra de posição religiosa cujo objetivo é jogar para a superfície profunda da meia-noite a cultura política econômica religiosa afro-brasileira.

Qual a relação do evangelismo radical com o direito penal?  já que este é a nova gramática de inteligibilidade das relações sociais. (Garapon: 14).

“XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. (Constituição: 19).

No campo político/estético religioso, o evangelismo radical aparece como franja paramilitar e, assim passa a fazer parte da guerra civil da meia-noite no campo político/estético-1988.

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No campo político neoconservador da América de Tocqueville, Donald Trump representa o evangelismo radical da guerra civil religiosa. A guerra civil  trumpista é uma vontade de poder de produzir a transformação da forma de governo. Donald se apresenta como partidário de uma forma de governo cesarista/tirânica brutalista de um Estado teológico, como no Brasil, Bolsonaro é o agente de uma forma de governo teológica neogrotesca secundado pelo pastor Malafaia e Michele Bolsonaro.

Qual a relação do evangelismo neoconservador brasileiro com o campo da direita liberal radical?

O neoconservador neopentecostal se caracteriza por uma relação diferente do evangélico tradicional. Este quer conservar a tradição de costumes e hábitos da moralidade familiar no campo político religioso. O evangélico radical é um agente de mudança no campo político que usa a tradição da moralidade familiar como arma religiosa de intervenção na soberania popular. Ele fala em <teologia do domínio> como concepção política de vida de assalto ao Estado secular. Ele põe e repõe abertamente a vontade de substituir o Estado brasileiro laico da Constituição de 1988 por um Estado teológico. A tradição do neoconservadorismo é a política teológica do americanismo neoconservador.

O evangelismo radical neoconservador é a abolição no campo político/estético religioso da Constituição-88 - com sua teologia da prosperidade-, que é a ideia de desintegração do Estado-88:

Capítulo II, Direitos sociais

“Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direto a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária”. (Constituição: 23). 23

Este parágrafo é o coração da gramática social da constituição-1988. Contra ele se levanta uníssono o campo ideológico da direita que se apresenta como uma estrutura de dominação hegemônica na política nacional, através do Congresso e do poder judiciário.  

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O livro “Para além da esquerda e da direita”, põe o problema do fim da ideologia no campo político/estético inglês. Ele fala da relação entre democracia e autoritarismo na década de 1990:

“De repente, todo mundo descobriu a democracia! Uma paixão pelo governo democrático tem sido há muito tempo a marca registrada das filosofias políticas liberais, mas o Velho Conservadorismo e o socialismo revolucionário sempre se mantiveram a distância. No entanto, existe atualmente algum pensador político que não seja, em um sentido ou outro, um democrata? (Giddens: 121).

No regime 1988, o poder governamental caiu nas mãos da esquerda no início dos anos 2000. Assim, a esquerda abandonou a revolução socialista e se inscreveu na tradição do populismo de esquerda de um João Goulart e Brizola.

O campo político barroco aparece como uma evolução política do domínio da esquerda populista até 2013. Em junho de 2013, a revolução barroca dentro da ordem constitucional passou do real para o campo político da rua. 

A tela gramatical viva da multidão-13 aparece como a gramática do aprofundamento da democracia lulista. A presidente lulista Dilma Rousseff entrou em choque traumático com a multidão e passou a tratá-la pela legislação penal de exceção, jogando a multidão para a superfície profunda da meia-noite, com a legislação penal antiterrorista. Assim, o lulismo se desvinculou da necessidade de                  desintegrar a estrutura de dominação <capitalismo subdesenvolvido> (Bandeira da Silveira; 2019), a bandeira principal, invisível, virtual, de 2013. O lulismo decidiu governar com a estrutura de dominação da tela gramatical subdesenvolvida. Em 2023, Lula e o PT retomam o governo nacional segundo o modelo ideológico de governar sem nada fazer para mudar o subdesenvolvimento.

Leo Strauss ensina;

“Para compreender o problema do direito natural, se faz necessário partir de uma inteligência não <científica> mais <natural> das coisas políticas, isto é, da maneira como se apresentam na vida política e nos atos da vida cotidiana, cada vez que se torna necessário tomar decisões”. (Strauss: 83).

Substituir o logos científico pela razão linguística do campo político é descer do céu do paradigma científico para a terra da tela gramatical político/estética de uma conjuntura. Nos encontramos na conjuntura de junho de 2013, aceite a esquerda esse fato  ou não. Esta situação concreta é da revolução barroca dentro da ordem ou da contrarrevolução da direita:

‘A esquerda clássica governa para o capital e para o pobre. Em um período, no qual o Estado se encontra sob o domínio do capital fictício, governar para o pobre e os assalariados se tornou um problema revolucionário. O governo Temer e o Centrão fizeram a reforma trabalhista contra os trabalhadores. O governo Bolsonaro fez a reforma da previdência contra os aposentados e pensionistas. Aí funda-se o campo da direita neobarroca cibernética”. (Bandeira da Silveira: 2023).

Rigorosamente, se estabelece a região da direita como guerra civil aberta da meia-noite na superfície profunda do campo político/estético do <Brasil Profundo>. (Bandeira da Silveira; 2021). 

Bem. Lula venceu a última eleição contra Bolsonaro evocando a revolução barroca a ´partir do governo nacional:

“A história caminhou para uma conjuntura na qual a revolução barroca dentro da ordem se tornou a revolução barroca contra a gramática do capitalismo subdesenvolvido brasileiro. A situação concreta é a da transição de Forças Armadas do capital para aquelas de classe média. A burocracia pública existe como uma categoria social de classe média. Porém, a ideologia do exército como exército do capital ou poder moderador é uma sobrevivência de um fenômeno da ditadura militar no regime-1988”. (Bandeira da Silveira: 2023, capítulo 37).      

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A república começa com um ersatz de guerra civil de generais ligados à família real que desintegra a monarquia. Dois governos iniciais da guerra civil dos generais foram substituídos pelo pode civil oligárquico. De 1910 a 1920, a luta de classe do proletariado manufatureiro habitou o campo político/estético da República Velha. A luta de classe foi tratada como questão de polícia. Antes, uma guerra civil popular de Canudos e Contestado foi esmagada pelo exército da guerra civil dos generais.

Na década de 1920, a classe média pública em armas se apresenta contra a ordem política da república velha. Em 1930, da oligarquia estancieira do Sul, Getúlio Vargas foi o condottiere de tropas armadas que destruíram a democracia representativa da república velha. O capitão do exército brasileiro Luís Carlos Prestes fez sua própria guerra civil particular com a <Coluna Prestes> do tenentismo de esquerda.

Em 1932, São Paulo fez sua guerra civil armada contra o estado de exceção getulista, instalado em 1930. Foram derrotados, mas os efeitos desse acontecimento político redundaram na democracia de 1934 - criada por uma Assembleia Nacional Constituinte. Nessa democracia, viveu-se a guerra civil comunista, em 1935, e despois a guerra civil fascista ou integralista. Getúlio aproveitou a conjuntura de guerra civil aberta para destruir a democracia-34, a segunda que ele desintegrou. No lugar da democracia fabricou um Estado totalitário, em 1937.

Getúlio foi derrubado pelos generais em um ersatz de guerra civil militar. Na democracia (19436-1964), a guerra civil aparece por insurreições militares no governo JK. Um ersatz de rebelião dos generais havia derrubado Getúlio. Na década de 1960, o presidente João Goulart foi derrubado por uma guerra civil da classe média privada e pública do Rio e São Paulo. Na conjuntura de 1964-68, a luta de massas provoca um golpe de Estado na forma de governo ditatorial oligárquico liberal iluminista. No lugar desse governo, entra uma forma de governo tirânica/cesarista brutalista. A classe média da esquerda moderna da juventude RJ/SP se choca com a ditadura em uma guerra civil armada - e é aniquilada.

A luta de massas contribui para o fim da ditadura. No lugar desta, temos a forma de governo democrático liberal moderna de 1988. Após algumas décadas de governo lulista, Dilma Rousseff foi derruba pela guerra civil branca de Michael Temer, seu vice-presidente. Depois, um fenômeno judiciário conhecido como Lava Jato se transformou em uma guerra civil judicial para levar a direita ao governo via eleição. Como deputado federal, Jair Bolsonaro evocava a guerra civil suja da meia-noite como solução capaz de acabar com o campo da esquerda com uma bala de prata. Se tornou presidente da república e fez do Estado nacional um instrumento político de sua guerra civil suja, que assassinou 300 mil pessoas na era da covid.

Perdeu a eleição para Lula em 2022, mas sua estratégia de transformar a eleição em guerra civil lhe rendeu 48% dos votos. Fora do governo usou a guerra civil para impedir que Lula assumisse o governo legítimo, pois, pacífico.  A guerra civil suja é uma guerra injusta, a injustiça berrada aos quatro cantos do país. Um Bolsonaro inelegível para 2026 continua sua guerra civil no campo eleitoral como guerra de posição ´para tomar de assalto as principais prefeituras em 2024.  

A república dos generais se define por ter substituído a luta de classe pela guerra civil político/civil, público/privada. No fim da época pós-moderna e no além da época posmoderna (Bandeira da Silveira; 2024), o que será do campo político/estético-1988?

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado, 2019

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

 BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Crítica da dialética barroca. EUA: amazon, 2023

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA amazon, 2024

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: EDIPRO, 2022

GARAPO0N E SALAS. La république pénalisée. Paris: Hachette, 1996

GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. SP: UNESP, 1996

STRAUSS, Leo. Droit naturel et histoire. Paris: Flammarion, 1954

 

 

           

Evangelismo neoconservador

 

José Paulo 

 

O campo político/estético é dirigido e regulado por uma plurivocidade de tela gramatical. Um fenômeno do regime constitucional de 1988 é o evangelismo radical neoconservador do americanismo.

O evangelismo radical invade o campo político-88 ao se constituir como uma cultura política econômica que ergue uma tela gramatical neoconservadora radical. Como o evangelismo significa dezenas de milhões de ´pessoas [sendo maioria mulheres] é preciso todo cuidado na análise desse fato/artefato.

O evangelismo é a massa religiosa habitando o campo político/estético através da soberania popular e rua. O pastor se tornou um agente da política brasileira que levou ao governo nacional Jair Messias Bolsonaro e quase o reelegeu, em 2022. O evangelismo é um fenômeno que se define como negação do campo da esquerda lulista/petista. Lula o derrotou em outubro de 2022, ao jogar Bolsonaro para a superfície profunda da meia-noite do campo político/estético-88.

Começo análise pela relação do evangelismo com a Constituição de 1988.  O evangelismo neoconservador tem uma posição dentro das <quatro linhas> da Constituição?

“VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. (Constituição: 18).

O evangelismo radical aparece como uma religião das classes populares brancas que estabelecem a guerra civil racial contra as classes populares pobres negra e mestiça. No campo político religioso/estético, o evangelismo faz das religiões afro-brasileira um objeto de ataque [inimigo no território do sagrado], em uma guerra de posição religiosa cujo objetivo é jogar para a superfície profunda da meia-noite a cultura política econômica religiosa afro-brasileira.

Qual a relação do evangelismo radical com o direito penal?  já que este é a nova gramática de inteligibilidade das relações sociais. (Garapon: 14).

“XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. (Constituição: 19).

No campo político/estético religioso, o evangelismo radical aparece como franja paramilitar e, assim passa a fazer parte da guerra civil da meia-noite no campo político/estético-1988.

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No campo político neoconservador da América de Tocqueville, Do9nald Trump representa o evangelismo radical da guerra civil religiosa. A guerra civil de trompista é uma vontade de poder de produzir a transformação da forma de governo. Donald se apresenta como partidário de uma forma de governo cesarista/tirânica brutalista de um Estado teológico, como no Brasil, Bolsonaro é o agente de uma forma de governo teológica neogrotesca secundado pelo pastor Malafaia e Michele Bolsonaro.

Qual a relação do evangelismo neoconservador brasileiro com o campo da direita liberal radical?

O neoconservador neopentecostal se caracteriza por uma relação diferente do evangélico tradicional. Este quer conservar a tradição de costumes e hábitos da moralidade familiar no campo político religioso. O evangélico radical é um agente de mudança no campo político que usa a tradição da moralidade familiar como arma religiosa de intervenção na soberania popular. Ele fala em <teologia do domínio> como uma concepção política de vida como assalto ao Estado secular. Ele põe e repõe abertamente a vontade de substituir o Estado brasileiro laico da Constituição de 1988 por um Estado teológico. A tradição do neoconservadorismo é a política teológica do americanismo neoconservador.

O evangelismo radical neoconservador é a abolição no campo político/estético religioso da Constituição-88 com sua teologia da prosperidade, que é a ideia de desintegração do Estado-88:

Capítulo II, Direitos sociais

“Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direto a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária”. (Constituição: 23). 23

Este paragrafo é o coração da gramática social da constituição-1988. Contra ele se levanta uníssono o campo ideológico da direita que se apresenta como uma estrutura de dominação hegemônica na politica nacional, através do Congresso e do poder judiciário.  

 

 

           

sexta-feira, 22 de março de 2024

Forma de governo, guerra e política

 

José Paulo 

 

Jeremy Scahill usa a expressão <guerras sujas- o mundo é um campo de batalha>. O 11 de setembro de 2021 já foi esquecido. Mas a partir dele, o neoconservadorismo americano fez do assassinato político sua arma política secreta na geopolítica mundial.

O assassinato político pelas instituições estatais {CIA a frente} tem uma história anterior ao 11 de setembro, pois, os EUA liberaram para o campo da direita de países amigos o assassinato de líderes de países inimigos [e o assassinato em seus próprios países] desde a década de 1950. 

Bush filho e os neoconservadores foram a plebe rude foucaultiana da transformação da forma de governo americana. No lugar da democracia americana representativa clássica, presidencialista-republicana, a plebe rude fabricou uma forma de governo neogrotesca, mafiosa, tirânica/cesarista representativa com a aliança e unidade do governo, Senado, e Suprema Corte.

 A partir daí, o capital americano e os presidentes da República aparecem como efeito dessa forma de governo. O Próprio presidente Obama [o anjo negro da América} conduziu pessoalmente os membros do Seals que assassinaram Osama Bin Laden. Ele deu a ordem em tempo real cibernético. Essa ordem foi o canto do cisne que anunciava a nova forma de governo supracitada, símbolo maior da guerra suja como paradigma política para as Américas.

A transformação da forma de governo americana teve consequências na América Latina? Com o fim do paradigma democrático americano, as elites da A-L perderam o modelo de referência para a sua vida política baseada em uma moralidade ética, ética pública de permanecer do lado legal e lutar contra as ilegalidades. As economias criminosas latino-americanas aparecem como um efeito do <capitalismo criminoso>, estudado por S. Platt, outro americano.

Qual o papel ideológico da imprensa na América Latina. Ela faz de tudo e mais um pouco para ocultar as guerras sujas como agente político que desintegra a forma de governo democrática/representativa. Um canal do Youtube se apresenta como diferente do resto da imprensa. Seu líder diz que o ICL faz a crítica da realidade brasileira. Faz realmente?  

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Enzensberger:

“Os animais lutam, mas não fazem guerra. O homem é o único primata que planeja o extermínio dentro de sua própria espécie e o executa entusiasticamente e em grandes dimensões. A guerra é uma das suas invenções mais importantes; a capacidade de estabelecer acordos de paz é provavelmente uma conquista posterior. As mais antigas tradições da humanidade, seus mitos e lendas heroicas, falam sobretudo da morte e do ato de matar. A luta travada em maior proximidade física não se devia apenas à simplicidade da técnica de construção de armas. Tratava-se também da maior satisfação psíquica obtida em extravasar o ódio naqueles que se conhecem, nos vizinhos. Desta forma, a guerra civil não seria apenas uma antiga tradição, mas a forma original de todos os conflitos coletivos. Já se passaram 2500 anos desde que ela encontrou sua clássica representação literária na insuperável história da guerra do Peloponeso”. (Enzensberger: 9).

A guerra civil faz parte da stásis, um conjunto de fenômenos como motim, rebelião, sublevação, revolta, insurreição, guerra civil. (Schmitt: 55). A guerra civil é o agente que funda o campo político/estético do brutalismo ao lado da pólemos ou guerra entre povos e Estados desde a antiguidade. (Derrida: 110-111).

A guerra civil cria e recria o campo político/estético como totalidade mitológica diabólica:

“Alors que l’intelloigence décompose le sens, le mythe le composse. C’est pourquoi il ne saurait être compris d’après une supposée valeurs explicativwe: le mythe n’est pas une science des primitifs mais un moyen de compréhension immédiate du réel. L’opposé du sym-bolique, c’est, proprement, le dia-bolique”. (        Godin:732).

No <Além da época posmoderna>, a totalidade diabólica se constitui na tirania/cesarismo como natureza da natureza estética do campo político das Américas?      

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A guerra não tem gramática? Ou ela é a gramática da violência? Uma longa citação de Engels põe tal problema:

“Porém, nem a própria comunidade nem o agrupamento de que fazia parte forneciam forças de trabalho disponíveis, excedentes. A guerra proporcionava-as, e a guerra era tão antiga como a existência simultânea de vários grupos de comunidades vizinhas. Até então não tinham sabido o que haviam de fazer com os prisioneiros, e por isso os matavam, e, em tempos anteriores, comiam-nos. Mas quando se chegou a esta fase da <situação econômica>, os prisioneiros adquiriram um valor; por isso lhes foi consentido viverem, para se poder aproveitar o seu trabalho. Desta maneira, a violência, longe de dominar a situação econômica, foi posta, como se vê, ao serviço desta. Tinha-se descoberto a escravatura. (Engels: 53).

A interpretação materialista histórica da violência parece submetê-la à economia do trabalho escravo.

Segue:

‘A escravatura não tardou em transformar-se na forma predominante da produção em todos os povos cujo desenvolvimento já tinha ultrapassado as fronteiras das comunidades primitivas, para acabar por transformar-se, por fim, numa das causas pri8ncipais da sua decadência. Só a escravatura tornou possível a divisão do trabalho em maior escala entre a agricultura e a indústria, e graças a isso pôde florescer a cultura do mundo antigo, o helenismo”. (Engels: 53).

Parece que com o helenismo a violência é submetida à cultura política econômica escravocrata grega do Estado lacaniano administrador da mais-valia pública produtora da polis obra-de-arte

Segue:

“Sem a escravatura, não pode conceber-se o Estado grego, nem a arte e a ciência da Grécia; sem escravatura, não teria existido o império romano. E sem as bases do helenismo e do Império romano, também não chegaria a formar-se a Europa moderna. Nunca deveríamos esquecer-nos de que todo o nosso desenvolvimento econômico, político e intelectual teve como condição prévia um regime em que a escravatura era uma instituição tão necessária como reconhecida de modo geral [...]”. (Engels: 53-54).       

A relação entre violência e economia escravista só é inteligível na  cultura política econômica grega. Na época moderna dos 1500, a escravatura de outros povos pelo europeu gerou um estado de violência permanente sobre os povos escravizados nas Américas. A gramática da violência nas Américas estabeleceu-se como a guerra racial permanente contra o escravo.

Indo ao Oriente, na China:

“O ambiente político era largamente propício à prática dos talentos de peritos de qualquer especialidade, com interesse especial para os estrategistas de profissão. Entre 450 e 300 a,C., gerações sucessivas foram exterminadas com metódica regularidade, tendo-se a guerra transformado numa <ocupação fundamental>. Qualquer pretensão de aderência ao idílico código moral, reputadamente praticado nos reinados dos Reis Sábios, fora há muito abandonada. A diplomacia baseava-se no suborno, na fraude e no ludibrio. A espionagem e a intriga pululavam. Procedimentos traiçoeiros não eram vistos como anormais por parte dos generais, que, sem pejo, rompiam as suas alianças, nem dos ministros de Estado, facilmente corrompíveis”. (Sun Tzu: 46-47)   

A gramática da guerra asiática da antiguidade inclui o <general intellect gramatical> como fenômeno social das relações técnicas de produção da guerra. Sun Tzu diz:

“A guerra é um assunto de importância vital para o Estado; o reino da vida e a morte; o caminho para a sobrevivência ou a ruína. É indispensável estudá-la profundamente”. (Sun Tzu: 91).

Na época moderna, a gramática da guerra é mediada pelo direito natural moderno. (Strauss: 154).

“E contando-me a mim clarissimamente por razões que já expus, que existia entre os povos algum direito comum que valia pra as guerras e nas guerras [...]. ((Grocio: 22-23).

A etimologia do significante:

“Não repugna a origem deste nome”.

“Porque a guerra (bellum) vem da voz antiga duelo (duellum), como dueno (duonus se converte em bueno, e duis en bis”. (Grocio: 45).

A gramática do direito da guerra justa ou injusta põe o problema:

“Se há alguma guerra justa, e logo que é justo na guerra”.

“pois direito não significa aqui outra coisa que o que é justo: negando, más bien por el significado que de palabra, que seja direito o que não é injusto”.

“Mas é injusto o que repugna a essência da sociedade de los que gozão de razão”. (Grocio: 46).

A tela gramatical do logos natural define o que é a guerra justa ou injusta no campo político/estético internacional.

Na Europa, há a tela gramatical estética da guerra:

“A <arte da guerra>, tal como se concebia no século dezoito, era em grande parte uma arte de manobra. Nela se incluíam elementos importantes de estética e protocolo. Um exército era julgado tanto pela sua aparência no campo de batalha como pela sua perícia e bravura. Para que fosse assim, algumas exigências <estéticas> chegavam a ser defendidas em terrenos pragmáticos”. (Clausewitz: 14).

A guerra política é a <guerra como simples continuação da política por outros meios>. (Clausewitz: 87). Assim, a guerra é um ato de violência, com a finalidade de fazer nosso inimigo obedecer à nossa vontade. Por esta razão, o desarmamento ou destruição do inimigo ou ameaça disto deve ser sempre o objetivo da guerra. A guerra é um ato político e também um eficiente instrumento político, uma continuação do intercâmbio político e uma forma diferente de executá-lo. A guerra é uma trindade maravilhosa, composta da violência original de seus agentes, do jogo das probabilidades e da sorte (o que a torna uma atividade do espírito), e de sua natureza secundária de instrumento político: o que a coloca no domínio da razão”. (Gallie: 57).

A guerra é um agente que ergue uma tela gramatical do general intellect gramatical no campo político/estético internacional. Na atualidade, o agente desse campo é o Estado suicidário nuclear hitleriano (Virilio: 46) sob uma nova versão.       

 

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil profundo. EUA: amazon, 2021

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

CLAUSEWITZ, Carl von. Da guerra. SP: Martins Fontes, 1979-

DERRIDA, Jacques. Politique de l’amitié. Paris: Galilée, 1994

ENGELS, Friedrich. Temas militares. Lisboa: Estampa, 1976

ENZENSBERGER, Hans Magnus. Guerra Civil. SP: Companhia das Letras, 1995  

GALLIE, W. B. G. Os filósofos da paz e da guerra. Brasília: UNB, sem data GROCIO, Hugo. Del derecho de la guerra e de la paz. Volume 1. Madrid: Reus, 1925

GODIN, Christian. La totalité. Volume 1. Paris: Champ Vallon, 1998  

SCAHILL, Jeremy. Guerras sujas. O mundo é um campo de batalha. SP: Companhia das Letras, 2014 

PLATT, Stephen. capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017 

SCHMITT, Carl. O conceito de político. Petrópolis: Vozes, 1992      

STRAUSS, Leo. Droit naturel et histoire. Paris: Flammarion, 1954

SUN TZU. L’art de la guerre. Paris: Flammarion, 1972

VIRILIO. Paul. L’insécurité du territoire. Paria: Galilée, 1976

  

    

quarta-feira, 20 de março de 2024

Tela e técnica - Hegel: gramática da significação

 

José Paulo 

 

 A RELAÇÃO entre técnica e relação social se altera na época do mercantilismo do capital asiático, paradigma do capitalismo mundial.  A relação social é subssumida `pela técnica

“A técnica só é dominada de um modo tal que lhe é dado espaço até mesmo no aparentemente não técnico (isto significa aqui maquinal), o poder da <organização> é escravo da técnica e <domina>esta última, assim como o escravo liga o senhor a si próprio através da plena submissão”. (Heidegger: 155).    

O poder da relação social de produção é escravo da técnica [das relações técnicas de produção] e estabelece uma estrutura de dominação da sociedade de classes sociais que domina as relações técnicas - como o escravo no discurso do mestre faz laço social com o senhor através da sua plena submissão.

A fronteira virtual entre relação social e relação técnica se atualiza com a emergência do discurso do mestre da sociedade da classe dominante, isto é, da sociedade como escravo da técnica da cultura política econômica do capital [do general intellect gramatical]. Como fenômeno social das relações técnicas de produção, o general intellect gramatical é o escravo que submete a si [como escravo da técnica] ao senhor/capital.

 Na Tela gramatical estética da antiguidade, a obra de arte era um saber pressuposto que poderia fundar a verdade:

“Este fim da <arte>, o fim da pressuposição de que uma obra de arte pode fundar a verdade, não há perda”. (Heidegger:122). Passamos para “O pensamento e a poetização sem-arte”. (Heidegger: 123).  A obra de arte da tela gramatical estética da época além da época posmoderna não é um saber pressuposto que funda e refunda a verdade.

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A revolução burguesa europeia põe e repõe o problema da relação da técnica com sociedade:

“Dissemos que a causa de uma revolução, duma passagem violenta dum tipo de sociedade a outro, deve ser procurada no conflito que estala entre as forças produtivas seu crescimento, de um lado, e a estrutura econômica da sociedade, isto é, as relações de produção, do outro”. (Bukharin: 289).

A sociedade aparece como:

“1, a propriedade territorial feudal; 2, o regime das corporações na indústria em formação; 3, os monopólios comerciais. Tudo isso era sustentado, com outras tantas coisas, por inúmeras normas jurídicas”> (Bukharin: 296).

Um outro modo de falar da revolução social é pensar a sociedade como escrava da técnica, a sociedade como escravo da técnica que se submete ao discurso do capitalista como discurso do senhor. Tal fenômeno remete para a revolução como cultura política econômica:

“uma modificação pela qual o indivíduo [revolução], como efetividade especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal [tela gramatical existente em um campo político/estético]. Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos”. (Hegel:194).

Na gramática marxista barroca:

Segue-se entre outras coisas que não existe revolução <puramente política>; toda revolução é uma revolução social, isto é, desloca classes; a toda revolução social é uma revolução política. Isto porque não é possível derrubar as relações de produção sem derrubar a força política destas relações; inversamente, derrubar o poder político significa derrubar o poder de uma classe no domínio econômico, pois, <a política é a expressão condensada da economia”. (Bhukarin: 294).

A cultura política econômica do capital é a política como conciliação com a sociedade de classe dominante; o Estado nacional aparece como poder político e aparelho de Estado na cultura política econômica do capital. No além da época posmoderna, o Estado nacional aparece como um artefato jurídico/político/estético em diferentes culturas políticas econômicas nacionais.   

O general intellect gramatical aparece como junção de sociedade e relações técnicas de produção:

“Se abordamos por esse lado a questão da acumulação intelectual, veremos sem esforço que esta acumulação tem precisamente lugar sob formas concretas, e de certa forma se precipita em depósito palpável, material. Tanto maior é o domínio da cultura intelectual, é rico, mais grandioso, mais amplo o domínio desses <fenômenos sociais materializados>. Para falar por metáfora [e sem esquecer que se trata apenas de uma analogia], a carcaças material da cultura intelectual constitui o <capital de base> desta cultura; é tanto mais rica, quanto ele é mais considerável, o que novamente, <em última análise>, depende do nível de evolução das forças produtivas materiais. Inscrições ingênuas, máscaras, ídolos grosseiros, desenhos sobre pedra, monumentos artísticos, manuscritos de papiros, ‘livros’ de pergaminho etc. – e mais tarde galerias, museus, jardins botânicos, laboratórios, jornais etc. – tudo isto é a experiência acumulada, materializada da humanidade. As novas prateleiras de livros, com os livros novos que constantemente se juntam aos que já lá estão, mostra-nos, de uma forma concreta, a colaboração de uma quantidade de gerações que se sucedem umas às outras numa sequência ininterrupta”. (Bukharin: 319-20).

Aí se encontra o general intellect gramatical como parte das relações técnicas de culturas políticas econômicas que se sucedem na Europa, especialmente.   

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A lógica do significante de Lacan cancelou a gramática da significação de Hegel na época posmoderna. Como estamos no além da época pós-moderna, a gramática hegeliana pode ser objeto de novas interpretações. Antes disso, Zizek fez sua leitura lacaniana de Hegel. Até onde ele chegou:

“A inexistência do grande Outro   indica que cada edifício moral e/ou ético tem de ser fundamentado em um ato abissal que é, no sentido mais radical que se possa imaginar, político. A política é o verdadeiro espaço em que, sem nenhuma garantia externa, as decisões éticas são tomadas e negociadas. A ideia de que se pode fundamentar a política na ética, ou de que a política é, em última análise, um esforço estratégico para realizar ´posições éticas anteriores, é uma versão da ilusão do grande Outro”. (Zizek: 597).

Rigorosamente, não existe a política, e sim o campo político/estético. A ética do campo é o ajudar o amigo e prejudicar o outro. É a ética da tirania. A tela gramatical estética da tirania/cesarismo encontra-se em Hegel. A tirania é a natureza da natureza estética do campo político:

“É o universal em si e para si, que é representado como a potência objectiva que domina tudo o que existe, quer porque este Uno, na sua tendência explicitamente negativa, seja posto em oposição com que é criado, quer porque, na sua imanência positiva e panteísta, se oferece á consciência e à representação no seio do que é criado. Mas a dupla falta desta maneira de ver, do ponto de vista da arte, consiste, em primeiro lugar em que esse Uno e Universal que constitui a significação básica, ainda não atingiu um grau de precisão e diferenciação, ou seja, e de personalidade e individualidade suficiente para poder ser concebido como espírito e representado numa forma sensível tão conforme a seu conteúdo espiritual como a seu conceito”. (Hegel:242).

A <subjetividade> espiritual hegeliana é a tela gramatical que submete a gramática da tirania:

“deste ponto de vista, podemos mencionar, ao ado do sublime, uma outra concepção do mundo que também nasceu no Oriente: é, ao contrário da substancialidade de um só Deus, o reconhecimento da liberdade interior, da autonomia, da independência da pessoa individual, na medida em que esta ideia era possível no Oriente. Como concepção dominante encontramo-la sobretudo entre os árabes que, nos desertos, nas imensas extensões planas cobertas de um céu puro e queimadas por um sol ardente, só podiam contar, para se defenderem, com sua coragem e a força do seu braço, com os seus camelos, cavalos, lanças e espadas. [...] A este sentimento de independência individual liga-se então um conjunto de qualidades que dela são corolários: a amizade livre, a hospitalidade generosa, a nobre distinção nas atitudes e nas relações quotidianas, e também defeitos tais como a sede infinita de vingança, a lembrança inapagável de um ódio que alimenta uma paixão implacável e uma crueldade sem qualquer sentimento. O que se passa neste domínio parece puramente humano e no círculo humano encerrado; são atos de vingança, relações amorosas, dedicações à prova de todos os sacrifícios, factos de onde desaparece qualquer elemento9 maravilhoso e fantástico, de tal modo que tudo acontece de maneira firme precisa tendo em conta as relações necessárias que existem entre as coisas”. (Hegel: 242-43).

Hegel apresenta o judeu fazendo pendant com o árabe:

“Já antes encontramos entre os Hebreus a mesma concepção dos objetos reais, quer dizer, a mesma redução das coisas à sua medida e às suas relações firmes e estáveis, o mesmo reconhecimento da sua liberdade e não apenas da sua utilidade. Uma firme independência de caráter e a crueldade na vingança e no ódio, eram também traços inerentes à primitiva nacionalidade judaica, mas com a diferença de que, entre os Judeus, as manifestações e os fenômenos mais poderosos da natureza são considerados e representados menos por si mesmos do que por serem testemunhos do poder de Deus em face do qual toda a independência desaparece; e até o ódio e as perseguições, em vez de serem pessoais, quer dizer, dirigidas contra pessoas, voltam-se contra povos inteiros, como vingança nacional ao serviço de Deus. É assim que, por exemplo, certos salmos do último período e certos profetas só sabem implorar a Deus a desgraça e a desintegração de outros povos e usam de uma violência extraordinária nas maldições que lançam sobre eles”. (Hegel: 243).  

A gramática árabe e/ou judaica articula o campo político do indivíduo com suas afecções com o campo político/estético do povo nacional. Há semelhanças entre as culturas políticas econômicas dos dois povos, contudo, o Deus judaico no campo político estético faz a diferença nacional.          

A gramática desses dois povos se estabelece como grau zero da relação entre técnica e tela? Como não há discurso do mestre, a sociedade não é escrava da técnica, pois não há sociedade de classes sociais. A relação entre técnica e subjetividade é simples: no caso do árabe é a relação entre o guerreiro e seu braço forte, sua coragem, seus camelos, cavalos, lanças e espadas. É uma sociedade sem general intellect gramatical. No caso do judeu, a <escritura> parece apontar para um general intelecto gramatical bíblico que não indica a sociedade escrava da técnica. Os fenômenos mais poderosos da natureza representados como testemunho do poder de Deus se traduzem em uma relação do general intellect gramatical bíblico como escravo da técnica, ou seja, a subjetividade judaica escrava da técnica da escritura, ou seja, de Deus no campo político/estético?   

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Há a desintegração da tela gramatical clássica da antiguidade europeia:

“Examinemos de mais perto as situações concretas que correspondem ao princípio que acabamos de formular. Desde logo encontramos aquilo que já conhecemos, isto é, que os deuses gregos tinham como conteúdo o aspecto substancial da vida e acções do home real. Contemplando os deuses, o homem podia assim possuir uma ideia da mais alta determinação da existência, do seu interesse geral e do seu fim supremo, como estando assentes na realidade”. (Hegel: 286).

Clara relação da realidade virtual mitológica com a realidade do campo político do homem.

Segue:

“Uma das características essenciais da arte grega era representar a forma espiritual como unida à realidade exterior, e por isso a absoluta determinação espiritual do homem acabara por se apresentar no aspecto de uma realidade objectiva e por impor ao indivíduo o dever de realizar a concordância entre si e a substância e universalidade dessa determinação. Para o grego, tal fim residia numa conciliação com o interesse do Estado, os deveres do9 cidadão e num patriotismo vivo. Fora destes interesses, outros não havia mais altos e mais verdadeiros”. Hegel:286).

O Estado é o Estado lacaniano da administração da mais-valia pública ou dinheiro público que constrói a polis obra-de-arte.

Segue:

Mas a vida política compõe-se de manifestações que, como tais, têm uma existência passageira. Não é difícil ver que um Estado onde reina uma tal liberdade, que se identifica tão diretamente com todos os cidadãos aos quais está entregue a função mais activa em todos os negócios públicos, só pode ser fraco e pequeno e está condenado a desaparecer, quer por causas internas quer por causas externas, puramente históricas”. (Hegel: 286).

A pólemos [guerra entre estados-polis etc.] e a stásis [motim, rebelião, insurreição, guerra civil (Derrida: 110-111) e a revolução política concorrem para a desintegração da forma de governo da politeia ou república democrática constitucional.              

Segue:

“Com efeito, numa ligação tão intima do indivíduo com a generalidade da vida pública, não há meios de o particular e o subjetivo se afirmarem sem mais ou menos lesar os interesses do Estado. Assim separada do substancial, não estando completamente absorvida nele, a particularidade subjectiva degenera num egoísmo natural, limitado, que segue o seu próprio caminho e só vai atrás dos seus interesses que nada têm a ver com os do todo, e se torna uma causa da decadência do Estado logo que conquiste a força subjetiva que lhe permita assumir perante ele uma atitude de franca oposição. Além disso, no seio desta mesma liberdade, e por causa dela, o sujeito sente nascer em si o desejo de uma liberdade mais elevada, o desejo de ser livre, não apenas no Estado, como todo substancial, não apenas em face da moral e das leis existentes, mas na sua própria vida interior de modo a poder extrair do seu próprio saber subjectivo os critérios do belo e do justo”. (Hegel: 286-87).  

Na tela gramatical estética da subjetividade hegeliana, os jogos de gramática dialéticos do belo e do justo, da liberdade do sujeito e do fim da forma de governo politeia e seu Estado lacaniano, do sujeito livre da multidão barroca soberana põem e repõem a relação do virtual com o atual, relação do velho com o novo, do antigo com o moderno.

Segue:

“Quer o sujeito afirmar-se como sendo ele mesmo de natureza espiritual e daí provém, no seio daquela liberdade, um novo divórcio entre os fins que ao Estado interessam e os do sujeito como indivíduos livres. Esta oposição iniciou-se na época de Sócrates enquanto, por outro lado, a vaidade, o egoísmo e os excessos da democracia e da demagogia de tal modo perturbavam o Estado que homens como Platão e Xenofonte não escondiam o desgosto que lhes causava a situação da sua cidade natal onde a direção dos negócios públicos era entregue a homens frívolos e irresponsáveis”. (Hegel: 287).

Há uma mudança na forma de governo que transita da república democrática constitucionalista do clássico para uma democracia da multidão grotescamente tirânica.   

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 Na transição da soberania do Estado para a soberania do sujeito, da soberania do campo político/estético da polis para o campo político/estético do indivíduo:

“É, pois, a oposição entre o espírito autônomo em si e a existência exterior que caracteriza o fenômeno da transição de que nos ocupamos. Nesta separação da realidade onde já não se encontra, o espiritual passa a ser um espiritual abstrato sem que seja  no entanto o uno abstrato Deus oriental, mas pelo contrário, o sujeito real, consciente de si mesmo, que na interioridade subjectiva descobre toda a universalidade do pensamento, a beleza, a verdade e o bem, e isso, em vez de o enriquecer com o conhecimento do mundo real, deixa-o face a face com as suas ideias e convicções”. (Hegel: 287).

O fantasma virtual do campo político do indivíduo é o pressuposto saber do sujeito sem conciliação com a realidade fatos e artefatos no campo político/estético.   

Segue:

“Por outro lado9, está-se profundamente insatisfeito com a vida presente, a vida política real da época, manifesta-se uma tendencia para abandonar as antigas maneiras de pensar, o patriotismo e a sabedoria política dos tempos passados, e isso não pode deixar de criar uma oposição entre a interioridade subjectiva e a realidade exterior”. (Hegel: 297).

O antagonismo entre a vida do campo político do sujeito e a vida da polis gera o ciclo histórico, após duzentos anos, de um tempo circular curto de mudanças das formas de governo: monarquia, aristocracia, república democrática constitucional, tirania/cesarismo, oligarquia, democracia negra.

Segue:

Na base disso, há um anseio íntimo que, ao exprimir-se de um modo rigoroso e firme, esbarra com um mundo já constituído e que se lhe opõe, com uma realidade corrompida e decadente oposta ao bem e à verdade. A arte é que assume a tarefa de vencer a oposição. Nasce então uma nova forma artística na qual a luta contra oposição, uma vez de ser guiada pelo pensamento, é conduzida de um modo tal que a própria realidade é representada em todo o seu absurdo, em toda a sua concepção, como se se destruísse a si mesma. Procura-se através desta autodestruição, mostrar a verdade como uma potência firme e permanente, e tirar, ao absurdo e ao irracional a força de se oporem diretamente ao que é verdadeiro em si. Tal é missão do gênero cômico que Aristófanes aplicou aos aspectos essenciais da realidade do seu tempo, empregando-o sem cólera, com sereno bom humor!”. (Hegel: 287).

A tela gramatical da comédia da antiguidade não é a tela gramatical da comédia do bonapartismo [tirania/cesarismo] estudada por Marx. (Marx:372). A comédia bonapartista é uma paródia da comédia da antiguidade.

 

BUKHARIIN, N. Tratado do materialismo histórico. RJ: Centro do Livro Brasileiro, sem data

DERRIDA, Jacques. Politique de l’amitié. Paris: Galilée, 1994

HE3IDEGGER, Martin. Nietzsche. Metafísica e niilismo. RJ: Relume Dumará, 2000

HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte 1. Petrópolis; Vozes, 1992

HEGEL. Estética. Lisboa: Guimarães Editores, 1993

INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. RJ: Zahar, 1997   

 MARX. Os Pensadores. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. SP: Abril Cultural, 1974

ZIZEK, Slavoj. Menos que nada. Hegel e a sombra do materialismo histórico. SP: Boitempo, 2013