sexta-feira, 29 de julho de 2016

DA DITADURA MUNDIAL CESARISTA (SCHUMPETER CUM LACAN)



“Entre todas essas civilizações regionais, a civilização egípcia faraônica em sua primeira faze denominada “Antigo Império” (± 3. 100-2.181 a.C.) distinguiu-se por sua relativa estabilidade. No período em que durou (quase mil anos), o Antigo Império foi mais estável do que qualquer regime subsequente da história do próprio Egito ou de qualquer outra região, e algumas das realizações egípcias durante o Antigo Império sobreviveram ao mesmo” (Toynbee: 101).    
I.
Capitalismo, Socialismo e democracia é o livro da década de 1940 que faz pendant com O 18 Brumário de Luís Bonaparte, pois, trata-se de um romance sobre a democracia moderna. Com efeito, trata-se de um transromance, pois, o significante romance se desloca da narrativa literária para a narrativa cultural política econômica do século XX.

Em 23 de julho de 1921, Schumpeter foi eleito presidente do M. I. Biedermann, o mais antigo banco de investimento de Viena. Ele tinha 29 anos. Ele deixou as operações bancárias nas mãos daquela pessoa capacitada, que fora muito tempo diretor do Biedermann e tornou-se um administrador financeiro e especulador. Nosso herói combinava ciência econômica e crítica da economia política com a prática biográfica capitalista em um processo de subjetivação/trans-subjetivação do capital com muito sofrimento e incerteza sobre o seu futuro.

A combinação de insolvência pessoal com um consórcio comercial suspeito foi demais para os investidores britânicos do Banco Biedermann, que insistiram na demissão de Schumpeter. Ele foi demitido em 1924, em meio a acusações, por parte da mídia, de que ele tinha usado suas conexões bancárias para prestar favores a um ministro do governo.              

Talvez o fracasso de sua vida de capitalista o tenha fixado na vida universitária americana. Em 1927, ele aceitou um convite para lecionar em Harvard e foi para a América pela segunda vez. A primeira havia sido em 1912. Na universidade, ele se debruçou na pesquisa sobre a sociedade capitalista com a certeza de que apenas o sucesso econômico não era suficiente para garantir a sobrevivência de tal sociedade. Assim, a ciência econômica iria fazer pendant com uma nova ciência da política que tem no O 18 Brumário de Luís Bonaparte seu ponto de partida na investigação sobre autocracia (especialmente a ditadura) e democracia. Em seu pensamento econômico, a articulação necessária entre economia capitalista e política tornou-se um axioma da cultura política econômica mundial após a I Guerra Mundial. No entanto, a vida burguesa de Schumpeter não impediu que, durante dois anos, ele fosse investigado e monitorado pelo FBI (Nasar: 400).

O FBI é uma máquina de guerra psicopática paranóica (criada pela máquina biográfica psicopática paranoica Edgar Hoover) que transformou os intelectuais brilhantes, ou em inimigos, ou em colaboradores, similar à prática da KGB, que teve como modelo organizacional a Okhrana tzarista.

Qualquer Okhrana é um artefato cultural político econômico (instituição estatal) do campo de poder ditatorial, ou na Rússia tzarista, ou na URSS, ou na América. Na América, nunca se tratou do equilíbrio de antagonismo democracia e segurança interna do país. O discurso da segurança foi até o 11 de setembro de 2001, essencialmente, um delírio psicopático do Estado americano tendo com objeto o intelectual crítico. O macarthismo foi o apogeu de tal discurso político!  

II.

No ensaio, No tempo das catástrofes. Resistir à catástrofe que se aproxima (2008), a física Isabelle Stengers fala do capital mundial como uma máquina de guerra econômica trans-subjetivada pelas massas ao redor do planeta: “a guerra econômica exige a presença de todos nós, essa guerra cujas vítimas não têm sequer o direito às honras, mas são intimadas a voltar por todos os meios à frente da batalha”.
Tal enunciado não é uma metáfora da economia real capitalista. Isabelle diz: “ Ao escrever este livro eu me colocava entre aqueles e aquelas, que se dizem herdeiros de uma história de lutas contra o estado de guerra perpétua que o capitalismo faz reinar” (Stengers).
Desde Einstein, a ideologia cultural política econômica do capital articula-se à física da relatividade. Este fato tornou possível a redefinição do capital como máquina de guerra econômica após a II Guerra Mundial. Inquestionavelmente, o desenvolvimento do complexo industrial militar na América e na URSS se deve à Guerra Fria e seu equilíbrio mundial do terror atômico.
A segunda metade do século XX é a era de uma sociedade burguesa que perdeu a sua aura de pacifismo e antimilitarismo. Trata-se da passagem do mito (sociedade burguesa pacífica schumpteriana) para a história: sociedade capitalista guerreira. Este é um ponto de inflexão capital que articula a ciência da política mundial em Schumpeter e a história da cultura política econômica mundial associada à physis política do capital. Sei que isso não é mais uma novidade para os leitores contumazes da física geopolítica hobbesiana.

III
A democracia moderna europeia é um produto artefatual de uma elaboração cultural política intelectual econômica de séculos. De um modo simples, ela pode ser vista como a trans-subjetivação pelas massas intelectuais e manuais de determinadas instituições básicas: eleições gerais, partidos políticos, parlamentos, gabinetes e primeiros-ministros. Tais instituições articulam-se à esfera política como uma superfície sempre em choque entre interesses privados e a necessidade de regulá-los.
A democracia entra em crise histórica se sua reprodução ampliada trans-subjetiva pelas massas da sociedade dos significantes de classes começa a falhar. Trata-se do choque entre a reprodução da ideologia cultural política econômica e a physis política da sociedade de classes. Nas palavras de Schumpeter:
“Já enfatizei que não se pode esperar que a democracia funcione satisfatoriamente a não ser que a vasta maioria da população em todas as classes esteja resolvida a ater-se às regras do jogo democrático; isso, por sua vez, implica que todos estejam substancialmente de acordo quanto ao fundamental de sua estrutura institucional. No presente momento, a última condição não é satisfeita. Tantas pessoas renunciaram e tantas mais vão renunciar a seu compromisso com os padrões da sociedade capitalista que, nesse terreno, a democracia está fadada a funcionar com crescente fricção. Entretanto, no estágio visualizado, o socialismo pode tapar a brecha. Pode restabelecer a concordância quantos aos princípios estruturais do tecido social. Se o fizer, os antagonismos remanescentes serão exatamente do tipo que o método democrático é perfeitamente capaz de enfrentar” (Schumpeter: 374-375).

No ano de 1942, a questão democrática não significava uma ligação necessária com o capitalismo e um antagonismo óbvio com o socialismo e, portanto, com a sociedade socialista realmente existente. Ainda não havia sido concebido o antagonismo ideológico cultural político econômico democracia versus totalitarismo.

Schumpeter via o socialismo como capaz de resolver a crise da democracia no capitalismo, pois, ele poderia se estabelecer como uma sociedade socialista democrática. Franklin Delano Roosevelt também partilhava dessa crença. No século XXI, tal descrição da política mundial do início da década de 1940 é apenas fumos machadianos: fantasia cultural política de uma época!

A democracia representativa está indissoluvelmente ligada às nações modernas e à cultura política intelectual econômica nacional em interseção com a physis liberal do capital moderno civil. A democracia se articula como liame burguês pacifista e antimilitarista. O bloco-no-poder democrático nacional tem o capital civil privado como narrativa hegemônica (pax burguesa) em relação à narrativa geopolítica da guerra dos Estados nacionais:
“Se, além disso, considerarmos as tendências pacifistas, (pelo menos, antimilitaristas) e livre-cambistas que descobrimos serem inerentes à sociedade burguesa, veremos que a importância do papel da decisão política no Estado burguês pode, ao menos em princípio, ser reduzida a quase qualquer extensão a que obriguem as incapacidades do setor político” (Shumpeter: 369-370).

Tal fato significa o transromance Guerra e Paz do século XX com dois personagens principais: o burguês prosaico e o general (burocrata militar autoiludido com a poesia militar) - a sociedade burguesa e a burocracia militar. Tal transromance significa duas grandes guerras mundiais e dois tempos históricos da democracia ocidental: antes e depois da II Guerra Mundial.

Depois da II Guerra, a militarização da sociedade burguesa pelo capital militar só se constitui em uma totalidade completa na segunda década do século XXI. Trata-se da narrativa hegemônica do capital militar mundial no bloco-no-poder mundial. Os heróis do transromance do século XXI não são o general e o burguês. Ao contrário, são o diretor da CIA (do FBI) e o anti-herói terrorista islâmico que pertencem ao mundo do homo informacionalis eletrônico e digital.

Agora, a physis política do capital significa uma infraestrutura montada pela ciência do real e a técnica tele eletrônica se superpondo à técnica digital. A ciência moderna não é mais somente a força produtiva do capital, como física, ela é o fenômeno que faz do capital um ser objetivo econômico transusbjetivado pelas massas como interseção de homo simulacrum e homo digitalishomo informacionalis.

IV

Na Europa, o problema maior da democracia era a luta de classes:
“Não obstante, é excessivo afirmar que ‘não pode’ haver verdadeira democracia na ordem capitalista.
Entretanto, em ambos os aspectos o capitalismo está perdendo rapidamente as vantagens que costumava assumir. A democracia burguesa casada àquele ideal do Estado já há algum tempo vem mostrando um funcionamento de fricção crescente. Em parte, isso se deve ao fato de que, como vimos antes, o método democrático nunca funciona da melhor forma quando as nações estão divididas quanto a questões fundamentais de estrutura social” (Shumpeter: 371).

A criação do modelo oligarquia política híbrida foi o compromisso entre socialismo europeu e partidos burgueses para evitar que a luta de classes implodisse a democracia europeia. Hoje, tal modelo fazendo água por todos os poros abre uma era de tempestades políticas sobre a Europa. Uma terceira força histórica é o fantasma do futuro que ronda a Europa: o fascismo do século XXI (lobo em pele de cordeiro).

Na América, a periodização da democracia se faz com a desconexão causal necessária entre sociedade de classes e luta de classes. Uma sociedade de significantes americana sem luta de classes não é o fenômeno que caracterizou a longa era cultural política econômica Franklin Roosevelt?

Na década de 1930, a trans-subjetivação das massas americanas da economia real em crise (tal acontecimento não se desdobrou em crise da cultura política econômica do capital) cedeu ao desejo sexual da ditadura bondosa de rooseveltiana. Roosevelt foi o magister populi americano cesarista. A democracia cuja superfície é regulada pelo princípio da livre competição de lideranças (segundo o modelo do capital liberal do século XIX) foi destituída através da tela gramatical econômica do capital monopolista do século XX. Como Marcuse, Poulantzas não se deixou iludir pela semblância liberal da democracia (ou francesa) americana:
"Isso  não quer dizer, no entanto, longe disso, que as possibilidades de um Estado de exceção, quer seja sob uma forma fascista, sob uma forma de ditadura militar ou de um neo-bonapartismo acirrado, estejam daqui por diante excluídas da Europa.  Dada a atual situação política, muito particularmente na França, essa é, em menor ou maior prazo, uma eventualidade com a qual é preciso contar. O que leva à minha segunda consideração da questão: ela  concerne não simplesmente aos limites da democracia representativa e das liberdades que o Estado atual  comporta em sua regularidade 'democrática', mas precisamente aos elementos das fascistização de todo o Estado capitalista. Indo de encontro desta vez àqueles  que defendem uma diferença de essência entre as diversas formas democráticas (ou 'Estado liberal') e os totalitarismos, todos os dois apresentam, sob seu aspecto capitalista, certos traços comuns. Esses traços, além da eventual dependência desses Estados a uma mesma fase do capitalismo (fortalecimento do executivo no 'New Deal' rooseveltiano e o Estado fascista de então), contém as raízes do totalitarismo. Toda forma democrática de Estado capitalista comporta tendências totalitárias". (Poulantzas: 232). Nesta citação, o leitor pode anotar a similaridade do pensamento de Gramsci com o pós-estruturalismo marxista francês                
    

Schumpeter estabeleceu a ligação entre economia e política evitando o economicismo dos economistas e da crítica da economia política. Há uma autonomia relativa entre esfera econômica e esfera política pelo método da nova ciência da política, pois, a associação entre elas se faz a partir da tela gramatical econômica:
“Isso pode ser generalizado de maneira a dar entender que o método democrático fica em desvantagem em tempos conturbados (tempos catastrófico). Na verdade, democracias de todos os tipos são praticamente unânimes em reconhecer a existência de situações em que é razoável abandonar a liderança competitiva e adotar a monopolística. Na Roma antiga, a constituição previa que, nas emergências, tal monopólio de liderança seria conferido a um cargo não-eletivo. O titular era chamado de magister populi ou dictator. Dispositivos semelhantes estão presentes em praticamente todas as constituições, inclusive a norte-americana: o Presidente dos Estados Unidos adquire, em certas condições um poder que, para todos os propósitos, faz dele um ditador no sentido romano, por maiores que sejam as diferenças na construção jurídica e nos detalhes práticos. Se o monopólio for efetivamente, seja a um tempo definido (como ocorria originalmente em Roma) ou à duração de uma emergência definida e de curto prazo, o princípio democrático da liderança competitiva fica meramente suspenso. Se o monopólio, seja por lei ou de fato, não for limitado quanto ao tempo – e nesse caso, naturalmente, tenderá a ser ilimitado quanto a tudo mais -, o princípio democrático ficará revogado e teremos o caso da ditadura no sentido dos dias de hoje” (Schumpeter: 368).

Com efeito, a forma objetiva ditatorial cesarista está associada ao poder do magister populi ilimitado, pela primeira vez, de César: cesarismo. Na modernidade, o bonapartismo surgiu como o cesarismo moderno do século XIX.  Como magister populi das massas americanas, o cadeirante Franklin Roosevelt foi o Luís Bonaparte americano não-lumpesinal.          

Schumpeter subverte a velha ciência política moderna (antes e depois dele), pois, a sua ciência da política usa o método comparativo. Ele compara culturas políticas econômicas de épocas distintas e permite (uma interpretação) na qual o significante da antiguidade (por exemplo,magister populi ou dictator cesarista) pode ex-sistir como magister populi bonapartista e reger a cultura política moderna no continente americano. Trata-se de uma ciência da política que faz pendant com a cultura política intelectual econômica do Renascimento. A Argentina teve o seu magister populi em versão masculina (Peron) e versão feminina (Evita). O Brasil teve o seu também com Getúlio Vargas.

A ditadura é o monopólio do poder nacional sem limite no tempo e no uso da violência sem limite contra as massas e indivíduos capturados um a um. Na ditadura romana normal, o poder do magister populi era limitado no tempo, mas não no uso sem limite da violência real contra a plebe, e também, inclusive, contra os patrícios. Em Roma, o dictator não era eleito. Ditador eleito é uma característica da cultura política econômica moderna. Assim, a soberania popular pode ser uma trans-subjetivação ditatorial das massas sujeito zero autor democrático.

Este não é o primeiro passo para se metabolizar na razão moderna (reflexão) e simbolizar (integrar ao inconsciente nietzschiano ariano) que o campo de poder moderno é uma combinação/superposição de democracia e ditadura? 

 V

Na nova ciência da política, democracia e ditadura constituem uma Banda de Moebius lacaniana onde a democracia é o direito do avesso ditadura em um espaço sem descontinuidade, subvertendo, propriamente falando, nosso espaço comum de representação (Eidelsztein: 62, 63). Na Banda de Moebius: “o direito e o avesso desta tira de papel passam a se encontrar em continuidade. O uso comum do ‘cara ou coroa’ fica, aqui, subvertido. O direito e o avesso estão contidos um no outro. Assim, um homenzinho ou uma formiga que caminhasse sobre um dos lados desta superfície se encontraria, também, sem se aperceber da incongruência, no seu avesso, do outro lado” (Granon-Lafont: 25-26).

No espaço da representação da velha ciência política podemos falar de superposição entre democracia e ditadura na superfície política:
“Pois é ingênuo supor que o processo democrático deixa de funcionar por completo, numa autocracia ou que um autocrata nunca deseja agir de acordo com a vontade do povo, ou nunca está disposto a lhe dar espaço. Quando o fizer, poderemos concluir que uma ação semelhante também poderia ser realizada se o padrão político fosse democrático” (Schumpeter: 302). A soberania popular tanto pode servir ao campo de poder democrático quanto ao campo de poder ditatorial.

Em Aristóteles, a soberania direta das massas pode constituir a politeia (democracia dos homens livre e normais) tanto quanto a temida ditadura lumpesinal das massas democráticas. Estas democracias da antiguidade grega ex-sistem como uma Banda de Moebius na qual o direito é a politeia da cultura política intelectual grega e o avesso é a ditadura lumpesinal da physis política da antiguidade greco-romana. 

Há uma rede de autores na qual é possível ler a Banda de Moebius. Ao fazer a releitura do fenômeno bonapartista em Marx (como cultura política intelectual econômica), Michels torna possível a criação da nova ciência da política no campo da cultura política intelectual mundial:
“O bonapartismo é a teoria da dominação individual baseada na vontade coletiva e tendente a emancipar-se desta para tornar-se soberana. Ele encontra em seu passado democrático um refúgio contra os perigos que o podem ameaçar em seu presente antidemocrático.
No bonapartismo, o governo de César, como observou um espírito sagaz dos últimos anos do Império, transforma-se no órgão regulador da soberania popular. Ele é a democracia personificada, a nação feita homem. (E.Laboulaye). É a síntese de dois conceitos antagônicos: democracia e autocracia”. (Michels: 123).

Dando um passo a mais, através da Banda de Moebius bonapartismo dialético de Michels (democracia e autocracia), o cesarismo universal se articula com o antagonismo cultural político econômico de equilíbrio catastrófico, como veremos na releitura de Gramsci mais adiante. Em Gramsci, a ditadura toma, definitivamente, o lugar da autocracia, que é o referente de uma multiplicidade de significantes da cultura política universal intelectual. A Banda de Moebius gramsciniana é aquela da transdialética reversível democracia e ditadura.  

A nova ciência da política se constitui na interseção da ciência marxista da política com a teoria das elites de Michels, Pareto e Mosca na releitura do O 18 Brumário de Luís Bonaparte, consciente ou inconscientemente! Schumpeter extraiu as conclusões lógicas desse espaço público procedural com a teoria da ditadura mundial cesarista.

Na prisão de Mussoline na década de 1930, Gramsci usou como alavanca a teoria das elites e a reflexão dos intelectuais fascistas para elaborar a teoria do Estado integral como articulação de ditadura (sociedade política, aparelho de coerção[ tribunais, burocracia etc.]) com democracia (sociedade civil, hegemonia, aparelhos de hegemonia [imprensa livre, universidades etc.], Estado como organizador do consenso). (Buci-Gluckmann: 114).

O Estado gramsciano é uma Banda de Moebius sociedade civil/sociedade política. A política representativa é a articulação entre ditadura e democracia. O partido político pode ser um partido de poder - aparelho político semiditatorial - (Poulantzas: 245-246), ou um partido privado da democracia representativa articulando a hegemonia burguesa a partir do parlamento.

Como Príncipe moderno, o partido é uma articulação hegemônica como desejo sexual e vontade cultural política econômica de construir um Estado não-capitalista. Na Revolução Russa, o Príncipe moderno bolchevique fez a passagem da cultura política intelectual econômica (articulação hegemônica) para a forma-partido trans-subjetiva ditatorial da physis política comunista.
Através da luta de classes, o confronto transdialético materialista entre o capital e o trabalho tomou o rumo da tela gramatical ditatorial totalitária populista. Com Stalin, a Revolução Russa aparece claramente como um fenômeno da physis política, pois, o ariano povo russo toma o lugar do proletariado de Marx, Lenin e Bukarin, sem antes aniquilar biologicamente as massas camponesas.      

Marx teceu a tela gramatical intelectual da nova ciência da política em seu transromance O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Ele pensou a situação histórica da República democrática francesa de 1848 pelo antagonismo de equilíbrio catastrófico entre democracia e ditadura, que destruiria a forma objetiva democrática. Não se trata, portanto, de uma teoria da superposição formal entre significantes técnicos literários, mas da ex-sistência deles em uma Banda de Moebius transdialética reversível:
“2. De 25 de junho a 10 de dezembro de 1848. Ditadura dos republicanos burgueses puros. Elaboração do projeto de Constituição. Proclamação do estado de sítio em Paris. A ditadura burguesa é posta à margem a 10 de dezembro com a eleição de Bonaparte para presidente” (Marx: 398).
As massas burguesas são caracterizadas como uma força ditatorial: “Massa estúpida, ignorante e grosseira era a própria massa burguesa”. (Marx: 392). O bonapartismo é conceituado como um fenômeno ditatorial condensado na forma objetiva/trans-subjetiva Sociedade de 10 de Dezembro: “A Sociedade de 10 de Dezembro deveria continuar como o exército particular de Bonaparte até que ele conseguisse transformar o exército regular em uma Sociedade de 10 de Dezembro”. (Marx: 373).
A Sociedade de 10 de Dezembro é uma forma ditatorial militarizada e o bonapartismo transforma o exército (o aparelho ditatorial de Estado) em uma forma ditatorial bonapartista. Tal fenômeno significa a expansão do campo de poder ditatorial lumpesinal trans-subjetivo que modela a forma objetiva política estatal. Assim, a República democrática se transforma no Império lumpesinal francês de Luís Bonaparte almado (alma + amor) pelas massas francesas. Na memória cultural política francesa, Luís é metabolizado como um herói político estudado nos bancos escolares pelas crianças. O 18 Brumário de Luís Bonaparte é um livro desconhecido pela cultura política intelectual francesa tanto quanto o Guerra civil em França (Marx) sobre a Comuna de Paris de 1971. Anátema do verdadeiro!

Marx se refere a Bonaparte como ditador (autocrata) em várias passagens do livro: “A linguagem respeitável, hipocritamente moderada, virtuosamente corriqueira da burguesia, revela seu significado mais profundo na boca do autocrata da Sociedade de 10 de Dezembro e no herói de piquenique de St. Maur e Satory”. (Marx: 375).

A língua literária política burguesa faz da respeitabilidade e do uso de uma hipocrisia moderada virtuosa a semblância democrática da ditadura burguesa que o autocrata Bonaparte maneja como um espadachim de escol. Trata-se do fenômeno da formiguinha ou do homenzinho na Banda de Mobius deslizando do direito ao avesso, vice-versa. Nessa passagem do direito ao avesso da política francesa, as massas burguesas rasgam o véu da semblância liberal e tornam-se trans-subjetivamente lumpesinais ditatoriais sem semblância democrática: “A burguesia industrial aclama assim com aplausos abjetos, o golpe de Estado de 2 de dezembro, a aniquilação do parlamento, a queda de seu próprio domínio, a ditadura de Bonaparte”. (Marx: 397).

A trans-subjetivação lumpesinal é a força motriz da ditadura cesarista bonapartista. O lumpen-proletariado é a classe que já não é uma classe na sociedade de significantes de classes moderna:
“Nessas excursões, que o grande Moniteur oficial e os pequenos Moniteurs privados de Bonaparte tinham naturalmente que celebrar como triunfais, o presidente era constantemente acompanhado por elementos filiados à Sociedade de 10 de Dezembro. Essa sociedade originou-se em 1849. A pretexto de fundar uma sociedade beneficente, o lumpen-proletariado de Paris fora organizado em facções secretas, dirigidas por agentes bonapartistas e sob a chefia geral de um general bonapartista. Lado a lado com roués decadentes, de fortuna duvidosa e de origem duvidosa, lado a lado com arruinados e aventureiros rebentos da burguesia, havia vagabundos, soldados desligados do exército, prisioneiros libertos, forçados foragidos das galés, chantagistas, saltimbancos, lazzaroni, punguistas, trapaceiros, jogadores, maquereaus, donos de bordéis, carregadores, literati, tocadores de realejos, trapaceiros, amoladores de faca, soldados, mendigos – em suma, toda essa massa indefinida e desintegrada, atirada de ceca em meca, que os franceses chamam la bohème; com esses afins, Bonaparte formou o núcleo da Sociedade 10 de Dezembro. ‘Sociedade beneficente’ no sentido de que todos os seus membros, como Bonaparte, sentiam necessidade de se beneficiar às expensas da nação laboriosa; esse Bonaparte, que se erige em chefe do lumpen-proletariado, que só aqui reencontra, em massa, os interesses que ele pessoalmente persegue, que reconhece nessa escória, nesse refugo, nesse rebotalho de todas as classes a única classe em que pode apoiar-se incondicionalmente, é o verdadeiro Bonaparte, o Bonaparte sans phrase. Velho e astuto roué, concebe a vida histórica das nações e os grandes feitos do Estado como comédia em seu sentido mais vulgar, como uma mascarada onde as fantasias, frases e gestos servem apenas para disfarçar a mais tacanha vilania”. (Marx: 372).

A trans-subjetividade lumpesinal significa a corrupção da política democrática e do Estado republicano (apropriação privatista da riqueza pública) fazendo da vida dos países uma narrativa povoada de personagens grotescos vulgares, clowns de uma história das nações como uma comédia histórica vulgar com semblância de cultura política do sério. O processo mundial de trans-subjetivação lumpesinal é a causa da corrupção da classe governante do capital mundial cesarista militar nas nações capitalista, incluindo a China continental.  

Bonaparte ex-siste na memória cultural política intelectual francesa (e mundial) como um herói de uma história séria. A trans-subjetividade lumpesinal é um fenômeno da transestética de Marx na qual a estética desliza da superfície literária para a superfície transliteraria da cultura política econômica ditatorial cesarista.

O campo democrático é o avesso do campo ditatorial se aquele não é articulado pela lógica do simulacro ou do simulacro de simulação. O que é a democracia moderna para Marx?
“Enquanto o domínio da classe burguesa não se tivesse organizado completamente, enquanto não tivesse adquirido sua pura expressão política, o antagonismo das outras classes não podia, igualmente, mostrar-se em sua forma pura, e onde aparecia não podia assumir o aspecto perigoso que converte toda luta contra o poder de Estado em uma luta contra o capital. Se em cada vibração de vida na sociedade ela via a ‘tranquilidade’ ameaçada, como podia aspirar a manter à frente da sociedade um regime de desassossego, seu próprio regime, o regime parlamentar, esse regime que, segundo a expressão de um de seus porta-vozes, vive em luta e pela luta? O regime parlamentar vive do debate; como pode proibir o debate? Cada interesse, cada instituição social, é transformado aqui em ideias gerais, debatido como ideias; como pode qualquer interesse, qualquer instituição, afirmar-se acima do pensamento e impor-se como artigo de fé? A luta dos oradores na tribuna evoca a luta dos escribas na imprensa; o clube dos debates do Parlamento é necessariamente suplementado pelos clubes de debates dos salões e das tabernas; os representantes, que apelam constantemente para a opinião pública, dão à opinião pública o direito de expressar sua verdadeira opinião nas petições. O regime parlamentar deixa tudo à decisão das maiorias; como, então, as grandes maiorias fora do Parlamento não hão de querer decidir? Quando se toca música nas altas esferas do Estado, que se pode esperar dos que estão embaixo, senão que dancem? ” (Marx: 366).

Nenhum liberal ou democrata (burguês) foi capaz de escrever sobre a democracia parlamentar de um modo belo e verdadeiro como Marx no trecho supracitado. Por quê? Por que a ciência política universitária americana da segunda década do século XX foracluiu da cultura política intelectual ocidental o campo da nova ciência da política de Marx, de Michels, de Gramsci e Schumpeter? A nova ciência da política é um campo de pensamento que se coloca ao lado da democracia moderna contra o cesarismo, de qualquer espécie, inclusive o cesarismo meio asiático meio ocidental da URSS e o puramente asiático da China continental.

A velha ciência política americana foi, simplesmente, um cavalo de batalha geopolítico da Guerra Fria da ditadura cesarista do capital transnacional contra o comunismo ditatorial totalitário cesarista. A URSS também teve seu cavalo de batalha de pensamento Guerra Fria com uma certa sociologia soviética.

Trata-se de uma era na qual o choque entre o trabalho e o capital articulou o cesarismo moderno no Ocidente e na Ásia, pois para Heidegger, a URSS é parte de uma cultura política intelectual econômica ligada à physis política asiática. A ditadura da técnica define uma era de escravidão das massas ao capital em uma interseção de cultura política econômica ocidental e physis política da máquina de guerra:
“A técnica só é dominada de um modo tal que lhe é dado espaço até mesmo no aparentemente não técnico (isto significa aqui maquinal); o poder da ‘organização’ é escravo da técnica e ‘domina’ esta última, assim como o escravo liga o senhor a si próprio através da plena submissão”. (Heidegger: 155). Ao abordar a ditadura totalitária do capital do sistema industrial, Marcuse se alinha com Heidegger. Marcuse estava certo em apresentar a América da década de 1960 como uma sociedade totalitária ditatorial como efeito da era da soberania das máquinas (Marcuse: 42, 43, 45, 46, 60, 77, 18-19)

Porém, Heidegger diz sobre a máquina de guerra: “A maquinação é o acabamento incondicionado do ser enquanto vontade de poder. Mas mesmo a maquinação enquanto essência do ser tem ainda um inessência.
A inessência da maquinação exige uma humanidade que não desertifique toda a tradição, mas propague para além da desertificação, isto é, para o interior de sua inessência, justamente uma tradição desertificada de metafísica (e, isto é, da história ocidental), essencialmente sem raízes. Esta instauração da inessência da maquinação está reservada ao americanismo.
Mas tenebroso do que toda e qualquer selvageria asiática é esta ‘moralidade’ desenraizada e alastrada até o engodo incondicionado.
Somente aqui o abandono do ser alcança a condição extrema de uma constância.
Será que reconhecemos suficientemente que tudo o que há de tenebroso reside no americanismo e de modo algum no mundo russo? ” (Heidegger; 156-157).

O americanismo é o mundo onde reina a máquina de guerra psicopática como a tradição desertificada da metafisica. Não é um acaso que a cultura política intelectual americana fez desaparecer o significante alma na maquinação incondicionada do ser como vontade de poder. A máquina de guerra psicopática americana é o ser como vontade de poder sem almor (alma + amor). Sua expressão fenomenológica, por excelência, é o serial killer americano. Trata-se de uma invenção da vida americana que faz pendant, primeiro, com a tela gramatical cinematográfica, depois, com a tela gramatical eletrônica. O terrorista doméstico americano é a continuação do serial killer por outros meios, inclusive islâmico. O policial capitão-do-mato caçador do homem negro é um serial killer amparado pelo Estado ariano sem almor pela comunidade negra ou latino-americana. 

A tela gramatical totalitária da América pode ser notada pelo choque permanente (com banho de sangue) entre a ditadura do Estado ariano (polícia e judiciário) e o homem negro. A máquina de guerra psicopática heideggeriana (americanismo) não é uma autoilusão do filósofo alemão.

O americanismo é algo da physis política americana que se tornou hegemônico mundialmente com a dominação da narrativa do capital militar sobre a narrativa do capital civil no bloco-no-poder mundial. A tela gramatical eletrônica (e a tela gramatica digital) é um dispositivo cultural político econômico de uma trans-subjetivação (americanismo) ancilar da narrativa do capital militar mundial com dominação americana. Tal narrativa militar do americanismo sustenta que os EUA é uma democracia sob ataque da ditadura islâmica, hoje, representada pela máquina psicopática oriental Estado Islâmico.

A velha ciência política do americanismo continua sustentando que regime político se define apenas pela forma política objetiva constitucional. A política é algo objetivo, a prática política é um fenômeno objetivo, perturbada pela subjetividade do eleitor, ou, pior, sem a trans-subjetividade das massas. OS EUA são uma democracia pura em uma luta contra a ditadura terrorista islâmica. A ditadura continua sendo um fenômeno exterior (que vem de fora, ALIEN) à vida americana. O jornalismo ocidental segue essa velha cartilha da velha ciência política do americanismo.

Para não finalizar.

O cesarismo é lido no campo de pensamento da física historial lacaniana na transdialética materialista gramsciana: “Pode-se afirmar que o cesarismo exprime uma situação em que forças em luta se equilibram de modo catastrófico, isto é, equilibram-se de tal forma que a continuação da luta só pode levar a destruição reciproca.

Mas o cesarismo, se exprime sempre a solução “arbitral”, confiada a uma grande personalidade, de uma situação histórico-política caracterizada por um equilíbrio de forças de perspectiva catastrófica, não tem sempre o mesmo sentido”. (Gramsci: 1619).

Observe leitor que com o cesarismo entra na cena histórica uma personagem de uma narrativa heroica. Com o cesarismo nasceu o transromance da cultura política universal na Roma da antiguidade. Tal romance é universal, pois, a própria revolução chinesa comunista se faz a partir de uma narrativa cultural política econômica asiática em torno de uma personagem heroica: Mao Tse Tung ou Deng Xiaoping.

O cesarismo é uma totalidade RSIcp (Real/Simbólico/Imaginário/ cultura política) que se articula pelo real, ou melhor, pela physis política. Deste ângulo, o cesarismo é o equilíbrio de antagonismo entre a cultura política e a physis, entre o campo de poder democrático e o campo de poder ditatorial.

A trans-subjetivação cesarista catastrófica é uma linha de força historial (flecha do tempo) que significa, inicialmente, mudança trágica do tipo de Estado. (Depois, ele ex-siste como mudança do Estado como comédia histórica vulgar). César foi o motor necessário da mudança trágica da República para o Império de César Augusto. Napoleão Bonaparte foi o motor trágico da mudança historial da República revolucionária para o Império trágico. Luís Bonaparte é a mudança da República democrática para o Império lumpesinal, que não é um outro tipo de Estado, mas uma evolução do Estado francês burguês, agora ditadura lumpesinal . Luís Bonaparte é o motor que completa a totalidade cesarista, pois, ela se torna um RSIcp lumpesinal - o transromance como comédia histórica vulgar:
“O cesarismo de César e de Napoleão I foi, por assim dizer, de caráter quantitativo-qualitativo, representou a fase histórica da passagem de um tipo de Estado para outro, uma passagem em que as inovações foram tantas e de tal ordem que representaram uma transformação completa. O cesarismo de Napoleão III foi só e limitadamente quantitativo, não se verificou a passagem de um tipo de Estado para outro, mas só ‘evolução’ do mesmo tipo, segundo uma linha ininterrupta”. (Gramsci: 1622).

A modernidade tem como motor a luta de classes burguesia/proletariado. Tal trans-subjetivação das massas faz do cesarismo um artefato arbitral mais policial que militar. O Estado policial cesarista ex-siste como hegemonia da narrativa do capital civil no bloco-no-poder mundial. Pois, o cesarismo é um significante técnico literário da cultura política universal, ou mundial, ou, mais modestamente ocidental no século XIX até as revoluções comunistas do século XX:
“No mundo moderno, os fenômenos de cesarismo são inteiramente diversos, tanto daqueles do tipo progressista César-Napoleão I, como também daqueles do tipo Napoleão III, embora se aproximem deste último. No mundo moderno, o equilíbrio com perspectiva catastrófica não se verifica entre forças que, em última análise, poderiam fundir-se e unificar-se, mesmo despois de um processo fatigante e sangrento, mas entre forças cujo contraste é insanável historicamente, e que se aprofunda como o advento de formas de cesarismo. Todavia, o cesarismo no mundo moderno ainda encontra uma margem, maior ou menor, de acordo com os países e o seu peso relativo na estrutura mundial, já que uma forma social ‘sempre’ tem possibilidades marginais de desenvolvimento ulterior e de sistematização organizativa. Ela pode contar especialmente com a fraqueza relativa da força progressista antagonista, devido à sua natureza e ao seu modo de vida particular, fraqueza que deve ser mantida: por isso afirmou-se que o cesarismo moderno mais do que militar é policial”. (Gramsci: 1622).

Com a hegemonia do capital militar do americanismo no bloco-no-poder mundial, o cesarismo do século XXI não se suporta mais como um Estado policial foucaultiano. (Foucault: 823). É possível fazer futurologia sociológica política sobre o tipo de Estado cesarista do século XXI? “Pode haver um cesarismo progressista e um cesarismo reacionário; mas em última análise, o significado exato de cada forma de cesarismo só pode ser reconstruído pela história concreta, e não por um esquema sociológico”. (Gramsci: 1699).

A ditadura cesarista mundial progride com o globalismo do capital mundial que eliminou a luta de classes como centro tático da história universal. No século XXI, uma nova transdialética materialista das forças em desequilíbrio catastrófico para a democracia (capital e trabalho) desenham um horizonte no qual o atractor é o trabalho como escravo do capital, como no século XIX. Todavia, a produção do contemporâneo é o confronto das massas com o capital não- articulado como luta de classes.

Spartacus é o signo brilhante na constelação da luta das massas ancilares como contramáquina de guerra poiética épica na luta com o capital militarista escravagista.

EIDELSZTEIN, Alfredo. Modelos, esquemas y grafos en la enseñanza de Lacan. Buenos Aires: Manantial, 1992
FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. 1954-1988. Vol. IV. 1980-1988. Paris: Éditions Gallimard, 1944
BUCI-GLUCKSMANN, Christine. Gramsci et l’État. Paris: Fayard, 1975
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Quaderni 12-29 (1932-1935). Torino: Einaudi, 1977
HEIDEGGER. Nietzsche. Metafísica e niilismo. RJ: Relume Dumará, 2000
GRANON-LAFONT, Jeanne. RJ: Jorge Zahar Editor, 1985
POULANTZAS, Nicos. L'État, le pouvoir, le socialisme. Paris: PUF, 1978
STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. Resistir à barbárie que se aproxima. RJ: Cosacnaify. Digital. 2015
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. O homem unidimensional. RJ: Zahar, 1973
MARX. O 18 Brumário de luís Bonaparte. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
MICHELS. Os partidos políticos. SP: Editora Senzala, sem data.
SCHUMPETER. Capitalismo, socialismo e democracia. RJ: Zahar Editores, 1984
TOYNBEE.  A humanidade e a Mãe-Terra. Uma história narrativa do mundo. RJ: Zahar editores, 1978  

        
                                                 
               
                      
                 
     







                          

domingo, 24 de julho de 2016

A ELEIÇÃO AMERICANA EM 2016


O Brexit gerou uma crise na União Europeia que não se transformou em uma crise política catastrófica para a democracia parlamentar inglesa. Já a eleição presidencial da América é vivida como uma crise política do sistema democrático.
O candidato Donald Trump não é o candidato dos sonhos da elite republicana. A divisão do partido republicano pode significar a derrota de Trump antes da largada na competição eleitoral pelo poder nacional com o candidato democrata? O partido americano é o partido das repúblicas estaduais ou estados. O federalismo americano é um campo de poder efetivo partidário. O partido republicano surge na eleição como um artefato sem unidade política em torno do chefe eleito na Convenção Partidária. Há um abismo intransponível entre o partido nacional condensado no chefe republicano e o federalismo do partido?
A velha ciência política realista define a prática democrática como luta pelo poder nacional e cargos estatais. Isso pode ser o buraco negro da democracia, pois, significa, inevitavelmente, perda de energia do regime e da nação. Tal luta pode, por exemplo, levar a desorganização da economia nacional e da política, com é o caso atual do Brasil. A definição de partido é parte do buraco negro, se partido é um grupo cujos membros se propõe agir combinadamente na luta competitiva pelo poder político, na concepção de Schumpeter de extração weberiana.  
O buraco negro pode ser evitado por um gerenciamento competente e sério do partido, da publicidade do partido, das palavras de ordem e da tela gramatical musical capaz de tocar no afeto das massas partidárias e das massas eleitorais. Isso é uma atividade racional do partido. Outro aspecto essencial é a qualidade do chefe político que deve ser a condensação da ideologia cultural política da parte nacional que o partido personifica.
Um fenômeno mundial brasileiro serve como exemplo. O PT tinha tal chefe político (Lula), um gerenciamento sério do partido (José Dirceu), palavras de ordem claras para as massas partidárias do bolivarianismo e uma tela gramatical musical adorável jamais vista no continente americano. Mas o chefe cometeu um erro político que empurrou o partido e o país para o buraco negro do desperdício de energia nacional. Lula pôs na presidência por transferência de carisma sertanejo mestiço um chefe político imbecil e parlapatão.
Tal chefe político acreditou que o único objetivo do governo era pôr e repor o multiculturalismo no comando da política e, que a economia seria fácil de ser conduzida a partir de seus toscos conhecimentos da ciência econômica universitária paulista. Deu no que deu!
Agora o pais tem que se haver com um sistema heteróclito, pois, sem tela gramatical partidária. O sistema político é um federalismo partidária oriundo da tradição oligárquica brasileira que tem como eixo o chefe político local. Porém, o país é uma República Federalista de faz conta. Não há republicas estaduais americanas, e os estados são ancilares à lógica de poder político na qual há um centro duro (governo nacional) que condensa todo o poder político real do país. Se o poder nacional entra em crise global, ou é a causa da crise econômica, os estados também se inclinam na direção da crise das cidades.
Donald Trump é um chefe político imbecil e parlapatão? Se ele é a imagem eletrônica do ditador demagogo (os democratas dizem que ele é similar a Hitler), isso quer dizer que o eleitorado americano, ao escolhê-lo, se põe no lugar do buraco negro da política americana?
Trump é um capitalista, ele significa a possibilidade da política americana como tela gramatical capitalista. Ele é um capitalista imbecil? Os democratas dizem que sim! Pensar na América como uma sociedade industrial do século XXI é uma imbecilidade? Isso vai contra o globalismo econômico do Nafta. Mas o Nafta significa realmente o globalismo a ser inventado?
Propor que a Europa compre o serviço de segurança militar mundial do Estado americano é algo imbecil. Transformar a Okhrana em parte da reprodução da economia real capitalista mundial (Okhrana como lógica da mercadoria mundial) é uma imbecilidade? Trump é a Dilma Rousseff americana?
Obama transformou o multiculturalismo em um fenômeno político mundial. Hillary Clinton continua tal política como um chefe político que é a costela do marido. Obama retirou os EUA de uma crise econômica mundial que ainda deixa a Europa de quatro e faz da China um continente sem rumo capitalista no século XXI. Quais são as propostas econômicas de Hillary? O competente marido é a âncora que assegura que o navio não vai ficar à deriva nas mãos da capitã.
Se há uma mínima possibilidade do capitalismo realmente existente se encontrar em uma crise histórica, a questão principal da eleição americana é a economia no comando da política. OS EUA parecem mostrar, com Obama, um caminho para contornar a crise global do capitalismo. Mas na cultura política econômica americana, há um choque entre o Estado ariano e a política multiculturalista que alimenta o campo de poder ditatorial com a guerra ariana contra os negros. Enquanto isso, a União Europeia tornou-se o centro político continental da cultura política econômica da miscigenação dos povos.
Tal contradição trans-subjetiva cultural política EUA e União Europeia não é uma divisão no capitalismo mundial que sobredetermina a política real e a economia real? Uma Hillary multiculturalista é um projeto de ideologia cultural política econômica para o capitalismo mundial que se choca com a ideologia da physis política biológica da miscigenação. A Europa criou o mundo moderno e o capitalismo moderno. A América recriou o capitalismo e, ao fazê-lo, pôs em crise a modernidade, como viu claramente Baudrillard. Quem vai inventar o capitalismo do século XXI?
Hoje, o problema de uma nova invenção do capitalismo mundial não é mais apenas um problema de economia real, como acreditam os tolos economistas. Trata-se da invenção do capitalismo como cultura política econômica e physis política do capital. O caminho da economia real é aquele de um capitalismo que acredita que a classe operária não existe como classe para si, e nem há a possibilidade de que este fenômeno seja reversível. Trata-se da leitura historial pela física da irreversibilidade. A classe governante capitalista usa ciência do real, usa física.
O mundo reversível e determinista é o mundo da física do objeto real (coisas que constituem o mundo). Trata-se do mundo de das Ding. A irreversibilidade e as probabilidades mostram-se relativas às condições sob as quais o mundo quântico pode ser observado. O homem consciente é o responsável pela produção irreversível dos fenômenos observáveis que ele mede.
Ilya Prigogine e Isabelle Stengers dizem que a noção de observação desempenha um papel central na mecânica quântica, porque é ela que permite dar um sentido às probabilidades. Trata-se de um elemento “subjetivista” introduzido na física. Na física geopolítica, a observação é parte da trans-subjetivação da irreversibilidade e das probabilidades como lógica de sentido da cultura política econômica mundial e da physis do capital.  
O capital mundial observa como irreversível a luta de classes, pois, ela é um fenômeno que deixou de ex-sistir com o fim da probabilidade de um mundo organizado pela ideologia cultural política econômica, ou socialista, ou comunista. O capital mundial considera que houve a autodissolução de tal probabilidade com o fim da URSS e o caminho capitalista chinês pós-Mao Tse Tung.
Há uma passagem da primazia da cultura política econômica sobre a política mundial para o quê?
Para o capital mundial um proletariado ancilar do século XXI significa um fato da physis política do capital, não mais um problema de cultura política econômica da sociedade de classes.
O confronto entre o partido republicano e o partido democrata nos EUA se faz no meio dessa tempestade mundial observada pela física do capital e, modestamente, pela física geopolítica lacaniana. A ciência do real está no comando da transição do capitalismo rumo, ainda, ao desconhecido! 
Donald Trump personifica a física do capital mundial? 
       
                                     

                                        

sexta-feira, 22 de julho de 2016

CARTA AOS JOVENS JORNALISTAS


O Estado é um fenômeno real através da ação de seus funcionários burocráticos. Não se trata de um fato, e sim de um artefato. A tela gramatical original do Estado brasileiro atual foi uma tela de papel (tela de Gutenberg). Tal Estado foi feito de palavras escritas em livros e jornais. A Constituição de 1824 foi extraída dos livros de filosofia política que d. Pedro I leu na sua juventude. O poder moderador é uma ideia do francês Benjamin Constant.
D. Pedro instalou o poder pombalino, o golpe de Estado pombalino que ele aprendeu lendo os livros de história de Portugal e através da memória cultural política de sua família em extensão, pois, família real.
O poder pombalino é um fenômeno que instalou a política como simulacro, como sabiam os políticos e escritores do século XIX. Sabiam que a democracia imperial era apenas um simulacro político pombalino. Mas nesse teatro do simulacro pombalino, os escritores e políticos se comportavam como se a democracia fosse verdadeira. Se não era democracia, era o quê?
Quando a República se instalou através de um golpe de Estado pombalino, ela era claramente uma ditadura militar com semblância liberal-oligárquica. Depois se tornou uma ditadura civil oligárquica com semblância liberal. Em 1930, Vargas instalou um estado de exceção fáctico após um golpe de Estado pombalino. A história de Getúlio é uma história ditatorial populista. Getúlio foi a personificação da ditadura civil brasileira populista.
A democracia populista era uma ditadura de massas com semblância democrática. O primeiro presidente eleito foi um general trans-subjetivamente ligado ao fascismo alemão. O final da democracia populista foi um golpe militar pombalino de massas e a instalação de uma ditadura militar com semblância neoliberal antes do neoliberalismo. Em 1968, a Junta Militar instalou uma ditadura militar puro sangue por um ano. Depois, foi o desfile dos generais-presidentes (Médice, Geisel, Figueiredo) até Tancredo Neves conduzir o país para fora do Estado militar. Tancredo morreu antes de virar presidente, e José Sarney assumiu no seu lugar personificando abertamente um simulacro de democracia luso-brasileira. Com Sarney, O Estado luso-brasileiro saiu do armário da vovó.  
Veio a era do regime 1988. Não se sabe ainda como isso aconteceu, de onde Fernando Collor tirou o saber para pôr o Estado luso-brasileiro em uma crise catastrófica. Talvez d. Fernando seja um gênio político saído de uma garrafa. Aconteceu, então, uma reunião de todas as forças luso-brasileiras mais o PT, o Lula sertanejo e as massas urbanas de classe média contra a autodissolução do Estado luso-brasileiro. Collor foi destronado e seu vice luso-brasileiro Itamar Franco se tornou presidente.
Quando Itamar chamou um caboclo carioca-paulista para o comando da economia, ele talvez não tenha imaginado que FHC criaria o bolivarianismo na política latino-americana antes de Hugo Chaves. Se tivesse lido a sociologia política econômica de FHC, talvez Itamar pudesse antever a era bolivariana brasileira.
Naturalmente, FHC passou o bastão para Lula e o PT. Aí, o modelo oligarquia política híbrida bolivariana de FHC (alternância no poder nacional PSDB/PT em aliança com a velha direita liberal brasileira até os fim do tempo histórico) foi por água abaixo. Lula e o PT resolveram governar o Estado luso-brasileiro visando a autodissolução dele. No lugar deste poriam um Estado bolivariano multiculturalista de semblância latino-americano.
A era Lula é aquela da autodissolução do Estado luso-brasileiro que só pode ex-sistir na tela gramatical eletrônica. Detendo o monopólio cultural político econômico da tela eletrônica, o Grupo Globo se tornou multiculturalista e bolivariano, mas gramaticalmente, essencialmente, neoliberal. Trata-se de uma corporação capitalista eletrônica. A tela gramatical eletrônica neoliberal instalou a lógica da ruína do Estado luso-brasileiro. Ela é o Estado luso-brasileiro em sua crise final.                                             
O impeachment levou ao poder nacional um filho de imigrantes libaneses que chegaram ao Brasil na década de 1920, que se tornaram “paulistas”. Michel Temer não é a personificação do caboclo paulista da gramática euclidiana. Com Temer, o poder nacional não é mais luso-brasileiro. Temer é a aceleração cultural política econômica da crise do Estado luso-brasileiro. Trata-se de uma solução lógica como continuação da era bolivariana multiculturalista. Só que o poder nacional saiu das mãos da mulher para as mãos do homem libanês com semblância de um discurso jurídico liberal-democrático. Temer é um depositário da memória cultural política econômica libanesa. Essa é a essência do homem na linha de força da cultura política universal.
A tela gramatical eletrônica atual é a condensação do Estado luso-brasileiro em dissolução. Não é preciso um grande esforço para perceber que os atores (políticos e da classe simbólica) estão aturdidos com o fim do Estado luso-brasileiro.
Já é possível ver a sombra do imperador d. Pedro I rondando a velha capital do Império luso-brasileiro. Todos os atores decisivos parecem estar possuídos pelo fantasma do imperador pombalino. Em um país que não sabe o que é a democracia, a não ser como simulacro pombalino, a ditadura parece ser o caminho natural.
 A jovem geração de jornalistas não sabe o que é ditadura, mas também não sabe o que é a democracia. Ela recebe os artefatos e o discurso político dos governantes e os transformam em ficção da tela eletrônica, ou de papel. Os jornalistas não sabem que governo só ex-siste na tela eletrônica, assim como o Estado. Ditadura ou democracia só ex-sistem na tela gramatical eletrônica.   
A juventude do nosso jornalismo está sendo manipulada pelos nossos governantes. Porém, há duas espécies de jornalistas. A primeira espécie segue a linha liberal espontânea da cultura política universitária; a segunda é a linha dura (o jornalismo como continuação da linha dura militar do Estado militar por meios eletrônicos) do jornalismo eletrônico sempre pronta para servir a instalação de uma prática ditatorial que vai salvar o país.
Hoje, a ditadura é um fenômeno mundial (universal) que procura corpos políticos particulares (países). A DITADURA TURCA é uma ditadura universal do século XXI. O fato dos EUA e União Europeia não cortarem o mal turco pela raiz só é a prova de que a ditadura tem o almor (alma + amor) da classe governante mundial e das massas, inclusive no Ocidente.
Hoje, remar contra a corrente é fazer a luta pela democracia nos países onde ex-siste democracia formal. A jovem geração de jornalistas pode ser a vanguarda das lutas democráticas na política mundial. Como democrata, ela é adorável.  

      

quinta-feira, 21 de julho de 2016

DITADURA E PHYSIS POLÍTICA



POR UMA NOVA CIÊNCIA DO ESTADO

Em Marx há o problema se o Estado surge na civilização arcaica ou no mundo grego da antiguidade. Parto da ideia de que o Estado é o Urstaat. Trata-se de um fenômeno trans-subjetivo divino que significa o uso da violência (força física) sem limite sobre a população e de força cultural política do Estado hídrico. A violência remete para o instinto de morte de um aparelho associado à physis político-biológica.

Heráclito vê o rio sem princípio nem fim dos fenômenos obedecendo a uma espécie de lei ou razão universal dotada de permanência, o logos:
Fragmento 2. Sexto Empírico. “Por isso é preciso seguir o-que-é-com, (isto é, o comum; pois o comum é-o-que-é-com). Mas, o logos sendo o-que-é-com, vivem os homens como se tivessem uma inteligência particular”. Logos é o nome correspondente ao verbo légein = recolher, dizer. É ‘palavra’, ‘discurso’, ‘linguagem’, ‘razão’ ” (Heráclito: 79).  

Fragmento 50. Hipólito. “ Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um”.
O Urstaat é o significante-um da história universal. A primeira totalidade RSIcp (Real/Simbólico/Imaginário/cultura política) como logos.
O Urstaat é percebido sensivelmente como um fenômeno estranho, não familiar, pois divino.

Fragmento 72. Marco Aurélio. “Do logos com que mais constantemente convivem, deste divergem; e (as coisas) que encontram cada dia, estas lhes parecem estranhas”.

Fragmento 108. Estobeu.Florilégio, I, 174. “De quantos ouvi as lições nenhum chega a esse ponto de conhecer que a (coisa) sábia é separada de todas”.

O logos é a  coisa sábia-Urstaat separada de todas as almas. Mas a alma é articulada como almor pelo Urstaat na produção da trans-subjetividade arcaica.

Fragmento 115. Estobeu. “De alma é (um) logos que a si próprio se aumenta”.

A produção da trans-subjetividade (almor) é ligada ao logos, que abrange o conjunto do Universo, physis e espírito, sendo a regra, a medida, o limite da própria mudança e da própria discórdia (stásis e pólemos). O logos é o princípio da transdialética entre physis política e cultura política na articulação do Urstaat.

Apendi com a velha ciência política que a origem do pensamento político está ligada ao tranquilo e claro racionalismo do espírito grego. A nova ciência política vê a razão greco-romana como pensamento político associado à polis e, portanto, à guerra e paz, à stasis e pólemos.

O pensamento político é, assim, uma máquina de pensar a guerra e a paz, uma máquina de guerra poiética de produção e invenção da política e do político. Trata-se da cidade-Estado como autárkeia, uma sociedade de significantes perfeita que se bastava a si própria em todos os domínios. Weber pensou a autárkeia no sentido econômico:
“Somente queremos falar de “cidade” no sentido econômico, tratando-se de um lugar onde a população local satisfaz no mercado local uma parte economicamente essencial de suas necessidades cotidianas, e isto principalmente com produtos que a população local e dos arredores produziu ou adquiriu para a venda no mercado. Toda cidade no sentido aqui adotado da palavra é “localidade de mercado”, isto é, tem um mercado local como centro econômico do povoado, mercado no qual, em virtude da existente especialização da produção econômica, também a população não-urbana satisfaz suas necessidades de produtos industriais ou artigos mercantis ou de ambos, e, como é natural, também os próprios moradores da cidade trocam entre si os produtos especiais e satisfazem as necessidades de consumo de suas economias. Originalmente, era normal que a cidade, onde se apresentava como complexo distinto do campo, fosse ao mesmo tempo sede de um senhor territorial ou príncipe e localidade de mercado, possuindo centros econômicos de ambos os tipos – oikos e mercado -, e frequentemente nela ocorrem-se, periodicamente, ao lado do mercado local, feiras de comerciantes, viajantes, vindo de longe. Mas a cidade (no sentido aqui adotado da palavra) é um assentamento com mercado permanente”. (Weber: 411).       

A sociologia política econômica de Weber não chega a pensar a cidade como cultura política econômica. Pois, isso significa pensar a cidade como processo de trans-subjetivação econômica fazendo pendant com desejo sexual ou aversão sexual ao estranho (estrangeiro).

Lewis Mumford pensa a cidade como cultura política econômica:
“Se o homem antigo deliberadamente procurou romper os isolamentos e enquistamentos de uma comunidade por demais estabilizada, de costumes fixos e pouco disposta a abandonar suas felizes rotinas, dificilmente poderia ele ter imaginado uma resposta melhor ao problema do que a cidade. O próprio crescimento desta dependia de trazer alimentos, matérias-primas, habilidades e homens de outras comunidades, quer pela conquista, quer pelo comércio. Ao fazer isso, a cidade multiplicou as oportunidades de choque e estímulo psicológico” (Mumford: 111-112).

“Choques e estímulo psicológico” significa o processo de trans-subjetivação como desejo sexual do estrangeiro (estranho). Ao contrário, a aldeia se articula pela aversão sexual ao estranho.

As línguas italiana e portuguesa parecem contentar-se com palavras que descreveríamos como circunlocuções. Em árabe e hebreu ‘estranho’ significa o mesmo que ‘demoníaco’, ‘horrível’ (Freud: 278). Freud associou o significante estranho ao grotesco (Freud: 284-295). Desejar sexualmente ou ter aversão sexual pelo estranho- significa o princípio da trans-subjetivação do  grotesco que define, respectivamente, a cidade e a aldeia. O grotesco faz pendant com a tela gramatical urbana criada em Ur (Urstaat/cidade-Estado), primeira tela cultural política econômica, articulada por Lewis Mumford.

O Estado só ex-siste em uma tela gramatical urbana.

A propósito do estranho, estou sugerindo uma interpretação mais freudiana do que a do próprio Freud, e uma interpretação do estranho grotesco alternativa a de Wolgang Kayser:
“Para o narrador se abrem “frestas” em seu próprio, e para ele inacessível, passado (esteve louco durante anos). Mas também como criatura de hoje vive momentos de alienação. Introduz-se nele algo de estranho, torna-se um Golem, um homem artificial, que um rabino versado em Cabala, aqui no gueto, um dia moldou a partir do elemento e o chamou para uma existência despida de pensamento, automática, enfiando-lhe atrás dos dentes uma certa palavra numeral mágica’. Será a própria alma que se apresenta no duplo Golem? Os velhos motivos do duplo, do autômato, da boneca de cera aparecem em novas roupagens e novas conexões. Outras figuras também vivem o estranhamento do eu”. (Kayser: 123). Penso o estranho grotesco como physis política no desejo sexual ou aversão sexual ao estrangeiro, na cidade ou na aldeia, respectivamente. 

Hegel definiu a coisa como choque estranho à unidade da apercepção. Assim, para Hegel, o essencial é superar a oposição entre o eu subjetivo e o eu objetivo, sendo o Eu = Eu o princípio
Absoluto, tratava-se do sistema idealista mostrar esta unidade. Ao mesmo tempo em que Hegel reconhece e detecta a cisão que permanece no interior do princípio de apercepção, considera que mesmo assim este não consegue fugir ao dualismo. Será antes a partir das influências de Schelling e Hölderlin que Hegel irá montar seu sistema absoluto. O estranho grotesco em Hegel é o choque estranho ou essência empírica na relação com a unidade da apercepção articulada pelo desejo sexual ou aversão sexual.

A Coisa em Freud é o estranho desejo sexual (ou aversão sexual) que faz o laço grotesco criança/Mãe na unidade da apercepção da criança na divisão eu-subjetivo e eu-objetivo;
“Pois a coisa, ao ser chamada também choque estranho ou essência empírica, ou sensibilidade, ou coisa em si, em seu conceito fica sempre a mesma e estranha à unidade da apercepção” (Hegel: 158).       

Como dissemos acima, a tela gramatical urbana grotesca de Ur é uma ideia de Mumford:
“Não foi por acaso que o aparecimento da cidade como uma unidade contida em si mesma, com todos os seus órgãos históricos plenamente diferenciados e ativos, coincidiu com o desenvolvimento do registro permanente, com glifos, ideogramas e escrita, com as primeiras abstrações do número e dos sinais verbais. Pela época em que isso aconteceu, o montante de cultura a ser transmitido oralmente achava-se fora do alcance de um pequeno grupo, mesmo numa longa existência. Já não era suficiente que a experiência fundada da comunidade repousasse nas mentes dos membros mais idosos.

Nas transações diárias, a mesma necessidade de anotações e sinais permanentes era ainda mais evidente: para operar à distância, por meio dos agentes e prepostos, para dar ordens a fazer contratos, eram necessários alguns artifícios extrapessoais. As mais antigas tabuinhas de Ur são meras listas e relações: registram quantidades de farinha, cerveja, pão, gado, nomes de homens, os deuses, de seus templos – simples anotações de fato, que permitam à comunidade manter-se a par das quantidades que poderiam, de outra maneira, ser incertas ou escapar à percepção.                

Felizmente, o controle de tais atividades, a princípio, esteve em grande parte nas mãos de uma classe sacerdotal, livre da constante necessidade de trabalho manual e cada vez mais confiante nas funções mediadoras do espirito. Em graus progressivos de abstração e simbolização, tornou-se essa classe capaz de transformar o documento escrito num instrumento destinado a preservar e transmitir ideias, sentimentos e emoções que jamais haviam tomado qualquer forma visível ou material” (Mumford: 112-113).

Cidade-estado, o Urstaat está associado à classe sacerdotal e ao documento escrito como transmissão trans-subjetiva de ideias, sentimentos e emoções. Trata-se da formação da tela gramatical urbana como condição necessária para a ex-sistência do Urstaat. Outra citação longa de Mumford ajuda a esclarecer tal fenômeno:
“Por meios de tais documentos, os governantes da cidade viviam uma múltipla vida: primeiro na ação, depois em monumentos e inscrições, e ainda outra vez no efeito dos acontecimentos documentados sobre o espírito dos povos posteriores, fornecendo-lhes modelos para imitação, advertências de perigo, incentivos de realização. Viver pelo documento e para o documento tornou-se um dos grandes estigmas da existência urbana: na verdade, a vida tal como era registrada – com todas as suas tentações a ultradramatização, a inflação ilusória e a falsificação deliberada -, muitas vezes tendia a se tornar mais importante que a vida tal como era vivida. Daí as perversões do monumentalismo, que ironicamente chegaram a seu ponto culminante pela jactância de Ozimandias. Essa tendência tem sido engrandecida em nossos próprios dias, no cinema, no qual desempenhos fictícios são encenados, antes ou depois do acontecimento real, a fim de deixar um documento ‘preciso’ para a posteridade.
O desenvolvimento dos métodos simbólicos de armazenagem aumentou imensamente a capacidade da cidade como recipiente: a cidade passou a não simplesmente manter junto um grande corpo de pessoas e instituições, maior que qualquer outra espécie de comunidade, mas manteve e transmitiu uma porção de suas vidas maior do que as lembranças humanas poderiam transmitir pela palavra oral. Essa condensação e armazenagem, tendo em vista ampliar fronteiras da comunidade no tempo e no espaço, representam uma das funções singulares desempenhadas pela cidade; isto porque outras funções municipais, por mais essenciais que sejam, são principalmente acessórias e preparatórias. A cidade, como bem observou Emerson, ‘vive pela recordação’.
Por meio dos seus edifícios e estruturas institucionais duráveis e das formas simbólicas ainda mais duráveis da literatura e da arte, a cidade une épocas passadas, épocas presentes e épocas futuras por vir” (Mumford: 113).

A memória cultural política econômica é urbana e está associada à tela gramatical urbana. Sem memória cultura política o Estado entra em um processo de autodissolução.

É comum a ciência política da antiguidade associar pensamento político e polis. A cidade era pequena, ás vezes de diminuta dimensão dividida em uma única urbe, polis no sentido geográfico, e o seu campo formando no conjunto a cidade-Estado, ou melhor, polis em um sentido político. A polis era a habitação dos polítai (homens livres e normais) cuja antítese era o súdito do império despótico oriental de dimensões imensas. No essencial, a polis (o político) é a prática do pensamento grego que caracterizava por uma dupla preocupação: a ética fazendo pendant com a política de massas de homens livres e normais.

Aristóteles diz que só merece o nome de cidade a associação que inventou a política. Atenas é o paradigma do significante cidade ocidental como politeia ou Constituição de uma forma de governo. A politeia dá origem ao modelo de poder no qual as massas se constituem como o autor/ator da política. Se a política é também ética, o Bem da política é viver bem e se conduzir bem: felicidade grega. Cito a passagem clara de Aristóteles sobre a articulação cidade e política:
“Toda ciudad es, como podemos ver, una especie de comunidad, y toda comunidad se ha formado teniendo como fin un determinado bien – ya que todas las acciones de la especie humana en su totalidad se hacen con la vista puesta en algo que los hombres creen ser un bien -. Es, por tanto, evidente que, mientras que todas las comunidades tienden a algún bien, la comunidad superior a todas y que incluye en sí todas las demás debe hacer esto en un grado supremo por encima de todas, y aspira al más alto de todos los bienes; y esa es la comunidad llamada Ciudad, la asociación política”. (Aristoteles: 675).         

Ao contrário da polis romana, a polis grega não era uma máquina de guerra:
Com os romanos se destinavam à guerra e a consideravam a única arte, empenharam todo o seu espírito e todos os seus pensamentos na tarefa de aperfeiçoá-la. Foi sem dúvida um deus, exclama Vegécio, quem lhes inspirou a legião”. (Montesquieu: 32). Os romanos almavam a guerra: “Os romanos eram ambiciosos por orgulho, os cartagineses por avareza; uns queriam mandar, os outros adquirir; os cartagineses calculando sem cessar a receita e a despesa, sempre fizeram a guerra sem amá-la. (Idem: 43).       

A trans-subjetivação almorosa (alma + amor) da guerra leva à Roma máquina de guerra militar poiética. A guerra era cultura do sério e a máquina de guerra soldado o herói da antiguidade romana:
“Sucede mesmo, entre nós, que a destreza excessiva no manejo das armas de que nos servimos na guerra se tornou ridícula, porquanto, desde a introdução do costume dos combates singulares, a esgrima tem sido considerada uma ciência de mata-mouros ou poltrões. Os que criticam Homero por exaltar normalmente em seus heróis a força, a habilidade ou a agilidade do corpo deveriam achar Salústio bastante risível ao louvar Pompeu por ele correr, saltar e carregar peso como qualquer outro”. (Montesquieu: 34).

Na polis grega, o herói é o Legislador, figura quase divina, artista plástico e prático político de qualidade superior. Licurgo em Esparta, Sólon em Atenas, um dos 12 sábios; e depois dele Clístenes que trabalhou a polis como se fosse um geômetra com régua e compasso, ou um físico-médico. Para este, trata-se de fundar ou refundar uma cidade como superfície cultural política econômica, de se debruçar sobre uma polis doente para diagnosticar e atenuar, eventualmente curar como médico do corpo político estudioso da physis política das formas de governo e do almor das massas á polis.

A cidade-Estado é uma máquina de criatividade como força produtiva na cultura política econômica universal. Celso Furtado foi buscar sua ideia de criatividade no sentido amplo de invenção da cultura política econômica no marxismo bem temperado de Lewis Mumford ao associá-lo com a emergência do excedente adicional. (Furtado: 116, 111; Mumford: 115). Porém a criatividade de Celso não tem o poder intelectual do marxismo criativo de Mumford.

Mumford parte da fundação e refundação da cidade e do Estado como monopólio da criatividade nas mãos e cérebros da classe governante (rei e classe simbólica sacerdotal):
“Esse pequeno grupo (classe governante) apoderou-se, sozinho de fartos recursos, pois se considerava isento da obrigação de erguer ao seu próprio nível a vida da maioria dos camponeses e artífices. Assumindo inicialmente o controle dos poderes sagrados, na construção de santuários e na elaboração do ritual, depois tornando secreto o registro permanente, ou melhor, as encantações mágicas, as notações matemáticas, as observações científicas preservadas pelos documentos, o clero deu força à autoridade real, que afora este, tinha apenas o apoio da organização burocrática e militar” (Mumford: 114-115).

A tela gramatical religiosa faz pendant com o uso do excedente adicional na fabricação do sagrado.
A tela gramatical urbana é parte do monopólio da criatividade pela classe simbólica como máquina de guerra religiosa de armazenamento e transmissão das mensagens e, portanto, da memória cultural política urbana reservada à elite urbana:
“Existe um amargo lamento, a partir do primeiro grande levante popular egípcio, que revela a indignação das classes superiores, porque as ordens inferiores haviam invadido seus recintos e não simplesmente transformado suas esposas em prostitutas, mas, o que parecia igualmente mau, capturaram os conhecimentos que lhes haviam sido negados. ‘Os escritos do augusto recinto [o templo] são lidos. (...) O lugar dos segredos ...está [agora] desnudado. (...) A magia está revelada’. (Advertências de Ipuver [2300-2050 aC.?])” (Mumford: 115).

A classe governante detém o monopólio dos segredos da tela gramatical da comunicação: “Esses segredos criavam uma lacuna entre os governantes e os governados, quase os transformando em espécies biológicas diferentes; e foi somente depois que os próprios feitos da civilização foram chamados à baila, pela revolta popular, que uma parte desses segredos foi compartilhada” (Mumford: 115). Estabelece-se aí uma superioridade biológica da classe governante associando governo e physis política. Trata-se do princípio do arianismo da tela gramatical urbana.       

Ao contrário da associação ingênua, encantatória e autoilusória (própria dos economistas) entre excedente adicional, criatividade e desenvolvimento econômico, presente em Celso Furtado, Mumford pensa o problema seriamente, sem glorifica-lo como nobilitante, aristocrático:
“Todavia, as classes dominantes, no seu próprio monopólio dos processos criadores, haviam descoberto um princípio de importância geral para o desenvolvimento humano. Esse princípio continua sendo apenas parcialmente compreendido e intermitentemente aplicado ainda hoje. Refiro-me ao emprego da deliberada sonegação e retiro, para penetrar no ciclo puramente repetitivo do nascimento, nutrição e reprodução ou da produção, troca e consumo. Embora grande parte dos excedentes produzidos na sociedade urbana fosse desperdiçada com um extravagante consumo e atos ainda mais extravagantes de destruição militar, uma parte considerável destinou-se ao lazer, ao tempo sem finalidade, libertado da rotina diária, dedicado à contemplação da natureza e à disciplina do espírito humano” (Mumford: 115).        

Paz e Guerra disputam o excedente adicional na lógica que Georges Battaile conceituou filosoficamente com parte maldita. Mas me interessa a ligação do excedente com a cultura política econômica, ou da guerra, ou da paz.

O bloco-no-poder mundial atual é constituído por duas espécies de capital determinantes da cultura política econômica mundial: o capital civil e o capital militar. O capital militar detém a hegemonia no bloco, pois, a narrativa hegemônica mundial é a da guerra, não é a da paz. A narrativa militar mundial é criada pela Okhrana mundial tendo como objeto o simples Estado Islâmico.

O capital da tela eletrônica irradia a ideologia cultural política da narrativa militar contra o terrorismo islâmico. O capital eletrônico jamais diz que a Okhrana (complexo industrial militar + serviço de segurança militar/civil) é o fornecedor das armas/mercadorias do terrorismo, tecnologia terrorista, em geral. Para a Okhrana quanto mais terrorismo maior o seu lucro econômico e seu lucro político, ou seja, seu poder militar sobre o planeta.

O capital eletrônico é o braço civil militarizado em imagens sonoras e visuais a serviço da Ordem do Capital militar Mundial.

A cultura política econômica urbana é a trans-subjetivação das energias instinto de morte e narcisismo, respectivamente, como artes da destruição e artes sublimatórias e de simbolização: “Ainda hoje, apenas uma parte das energias totais da comunidade volta-se para a educação e expressão: sacrificamos muito mais às artes da destruição e extermínio que às artes da criação” (Mumford: 116).

A cultura política econômica faz pendant com a trans-subjetivação do desejo sexual:
“Enquanto o revestimento exterior da cidade crescia, por assim dizer, no seu interior igualmente se expandia: não somente seus espaços interiores, dentro do recinto sagrado, mas sua vida interior. Os sonhos transbordavam daquele interior e tomavam forma; as fantasias se transformavam em drama e o desejo sexual florescia em forma de poesia, dança e música. Dessa forma, a própria vida tornou-se uma expressão coletiva do amor, desligada das urgências da reprodução social” (Mumford: 116).

A cultura política econômica urbana abandonava a lógica da aldeia de aversão sexual ao estrangeiro sublimando-a em poesia, dança e música. 
II
A lei da exsudação cultural política econômica diz respeito a relação do monopólio da tela gramatical urbana pelo governante na cidadela e as massas plebeias organizadas na municipalidade. Trata-se da posse do poder político e do poder simbólico:
“Até agora, tenho-me demorado na fase do monopólio do conhecimento e do poder, originariamente exercido pelos governantes da cidadela. Na verdade, porém, esse monopólio abrangia a maior parte das funções, que só vieram a ser tomadas e coletivamente distribuídas pela municipalidade depois de muitos milhares de anos. A isso pode-se chamar a lei da exsudação cultural” (Mumford: 116).

A cidadela-Estado é o significante original ditadura arcaica. Mumford pensa a história da exsudação cultural como transdialética ditadura e democracia - cidadela e municipalidade:
“No corpo da guarda da cidade encontramos o primeiro exército e os primeiros oficiais de polícia; e, embora não possamos identificar os edifícios separados, até uma data posterior, ali também encontramos o primeiro alojamento para aqueles funcionários militares, a caserna. Ademais, ali encontramos o primeiro ministério do exterior, a primeira burocracia, o primeiro tribunal de justiça (no portão do palácio), e igualmente, no lugar onde se ergue o templo, o primeiro observatório astronômico, a primeira biblioteca, a primeira escola e universidade e, não menos, o primeiro “teatro”. Tudo isso floresce na cidadela, antes que houvesse quaisquer equivalentes municipais independente, dispondo de um domínio maior no qual trabalhar, ou que ao menos se pensasse em participação democrática” (Mumford: 116).

A cidadela-ditadura detém o monopólio da técnica da criação simbólica da tela gramatical urbana:
“Esse monopólio real aplicava-se a muitas inovações técnicas que apareceram na cidadela, muito antes de se propagarem pelo resto da cidade. Foi na cidadela que, pela primeira vez, apareceram edifícios à prova de fogo, construídos materiais permanentes; assim, também, o calçamento. Foi ali, numa ou outra região, que, antes de 2000 a.C., construíram-se esgotos, condutos de água corrente, banheiras, latrinas, aposentos privados para dormir; e era no recinto do palácio, numa época em que o resto da cidade se tinha tornado uma compacta massa de casas, densamente ocupadas, que os reis e sua corte gozavam do que ainda é o maior e mais aristocrático dos luxos urbanos – uma amplitude de espaços abertos a se estender além da própria moradia, em jardins, e lugares de prazer, algumas vezes constituindo todo um quarteirão de vilas destinadas aos nobres e ao alto funcionários” (Mumford: 116-117).

A cidadela-ditadura é um significante da physis política. Ela é a lógica gramatical (cultural política econômica) da trans-subjetivação do espaço da cidade como conforto, viver bem e felicidade para os arianos, ou seja, para a classe governante (classe política mais classe simbólica). A ditadura da civilização arcaica é o princípio do arianismo de uma classe governante que se define por um viver civilizatório em contraste com a barbárie do mundo da vida das massas.

A democracia fazendo pendant com a physis política significa o bem viver para as massas, as massas no mundo-da-vida protegidas, contempladas e guardadas pela técnica civilizacional. Neste sentido, a diferença entre os EUA, a Europa Ocidental, Japão e Brasil é clara e distinta. Pelo princípio da physis política, os EUA, a Europa Ocidental e o Japão se constituem como democracia (na physis política). Já o Brasil é uma ditadura.                                                   

A physis política arcaica cidadela-Estado articula a cidade à aldeia. No Rio de Janeiro, a aldeia é a favela abandonada pelo Estado jamais moderno que se define por inscrever na tela gramatical urbana a diferença radical entre cidade e aldeia:
“Esses fatos a respeito das origens da cidade propriamente dita, dentro da cidadela ou “pequena cidade”, parecem essenciais para um retrato completo das suas funções e finalidades. Em jargão econômico comum, a cidadela serviu como o plano piloto inicial da cidade; e isso explica o fato de que tantas características tanto da cidade quanto do Estado, hoje em dia, guardem a marca de antigos mitos e mágicas aberrações, de obsoletos privilégios e prerrogativas, originariamente baseados nas pretensões reais; é testemunha disso o mito da soberania absoluta. Felizmente, ao unir a aldeia e a cidadela, o templo e o mercado, a cidade apoiava-se ainda nos fundamentos morais da aldeia: os hábitos de trabalho regular e a colaboração diária numa tarefa comum, a alimentação, reprodução e consagração da vida. O próprio santuário da aldeia jamais foi completamente absorvido pelo centro cerimonial principal, pois cultos e santuários subordinados formaram o núcleo das paróquias dos templos, na Mesopotâmia. Em Khafaje, encontram os arqueólogos um desses distritos de vizinhança, com seus caminhos a convergir na direção do templo” (Mumford: 117).

A aldeia condensa a physis política das massas como moral. Assim, as massas-aldeia escapam da maldição lacaniana da imbecilidade natural discursiva moral das massas? As massas podem metabolizar um discurso que não fosse semblante? Tal discurso é o único caminho para as massas não desejarem mais sexualmente a ditadura da physis ariana aristocrática. O discurso que não fosse semblância articula as massas mestiças como aversão sexual à ditadura.

A cidade fazendo pendant com a physis é uma ideia clara em Mumford:
Assim, a cidade, numa data remota, recapturou o polimorfismo da colmeia dos insetos: usando de meios sociais, alcançou um equivalente das diferenciações fisiológicas que acompanham a integração das sociedades de insetos. Em verdade, essa divisão do trabalho admitia uma mobilidade interna maior do que a conheciam as comunidades de insetos” (Mumford: 122).

Na cidade, a physis política se altera com a introdução da propriedade privada e a divisão entre ricos e pobres: “Coube à civilização criar penúrias artificiais, que mantivessem o trabalhador acorrentado à sua tarefa, para que os excedentes pudessem garantir a fartura do homem rico” (Idem: 123). Na passagem da aldeia (mito) para a cidade (história), a propriedade define uma ruptura entre a interseção da subjetividade fazendo pendant com a trans-subjetividade (urbana) e a própria trans-subjetividade aldeã (comunal campesina). Pois, a subjetividade é um fenômeno cuja origem se deve a propriedade privada. Vejamos por partes. Primeiro a relação entre aldeia-cidade e Estado:
“Na passagem da aldeia para a cidade, existe ainda alguma confirmação dessa interpretação dos costumes comunais pois a terra e tudo o que ela produzia passou a ser propriedade do templo e dos deuses; até mesmo os camponeses que a trabalhavam pertenciam também à terra e eram obrigados a dar parte do seu trabalho às tarefas comuns de escavar, levantar diques e construir. Essas posses, com a ampliação dos poderes seculares da realeza, iriam se tornar propriedades reais; e a identificação do domínio comum com o poder soberano lançou raízes tão profundas que, mesmo nos Estados modernos, mais nitidamente conscientes dos direitos da propriedade privada, o próprio Estado é possuidor último e herdeiro residual, com aquele poder de comandar e tributar que é, em última análise, o poder de possuir ou destruir” (Idem: 123).

A transdialética materialista Estado e propriedade privada é algo que faz da physis política o motor de uma periodização da cultura política econômica universal, pois, o poder de possuir ou destruir do Estado só pode ser um direito natural do rei, direito da physis política. Prossigo:
“A propriedade privada começa, não como pensava Proudhon, com o roubo, mas com o tratamento de toda propriedade como posse privada do rei, cuja vida e cujo bem-estar eram identificados com os da comunidade. A propriedade era uma ampliação e um alargamento de sua personalidade, como único representante do todo coletivo. Mas, tão logo essa pretensão foi aceita, pode a propriedade pela primeira vez ser alienada, isto é, removida da comunidade pelo dote individual do rei” (Idem: 123).

A propriedade do rei é o princípio que funda (e fundamenta) a subjetividade:
“Finalmente, se o homem urbano subdividido, ou Teilmensch, prejudicou a integridade inconsciente do tipo mais simples da aldeia, pelo menos indiretamente conseguiu um novo senso de personalidade individual, a emergir da crisálida da tribo, do clã, da família e da aldeia. Isso porque, no polo oposto ao especialista vocacional, levanta-se agora uma pessoa individual, no papel do próprio monarca: o Faraó do Egito, ou o Lugal da Suméria. Na base, poderia haver escravidão e compulsão; mas, no topo – por muito tempo, apenas no topo – havia liberdade autonomia, escolha, tudo isso a emergir dos atributos da personalidade, coisa dificilmente possível num regime baseado na coesão da família e na unanimidade tribal” (Idem: 125-126).

A sociedade moderna dos significantes individualista quer transformar todos em rei? Princípio da primazia da subjetividade da biografia individual sobre os processos de trans-subjetivação das massas sujeito zero aldeão. A sociedade americana moderna não consegui evitar que a luta de classes fosse o motor de sua cultura política econômica através do individualismo moderno? Todo americano que ser rei. Ele quer que a cidadela seja comum a todos. Isso é a cidade americana. Isso não é o American Dream?
“Não foi a Revolução Americana e sua preocupação com o estabelecimento de um novo organismo político, de uma nova forma de governo, mas sim a América, o “novo continente”, o americano, o “novo homem”, a “adorável igualdade”, no dizer de Jefferson, “que os pobres usufruem juntamente com os ricos, que revolucionou o espírito dos homens, primeiro na Europa, e, em seguida, em todo o mundo  - e isso em tal medida que, a partir das últimas fases da Revolução Francesa, até as revoluções de nossa própria época, pareceu aos revolucionários ser mais importante mudar a tessitura da sociedade, tal como fora mudado na América antes de sua revolução, do que mudar a estrutura do domínio político. Se fosse verdade que nada mais estava em jogo nas revoluções da idade Moderna do que a mudança radical das condições sociais (da phyis política), poder-se-ia então dizer que a descoberta da América e a colonização de um novo continente constituíram suas origens – como se a “adorável igualdade” que surgira naturalmente, e como organicamente (physis política), no Novo Mundo, só pudesse ser conseguida, no Velho Mundo, através da violência e da  sangrenta revolução, quando lá se espalhou a notícia de uma nova esperança para a humanidade” (Arendt: 20).

A revolução moderna mudou a percepção trans-subjetiva das massas sobre a realidade dos fatos através do princípio esperança. O princípio esperança é o pensar como o transpor da physis política, como o estabelecimento da autodissolução da physis como ditadura dos ricos sobre as massas (os pobres). Trata-se de trocar o desejo sexual imorredouro à ditadura pela pulsão aversão sexual à ditadura real. Isso põe e repõe o problema da possibilidade conforme a estrutura do objeto real ditadura.

A crença na esperança, a esperança da crença das massas da autodissolução da ditadura da phyisis é um problema do século XXI? Há aqueles que veem no possível somente a expressão de uma incerteza incontornável subjetiva ou bem a expressão de nosso saber limitado (Bloch: 292). Nisso consiste a luta da lógica estática subjetivista contra a possibilidade da trans-subjetividade revolucionária das massas instalarem a lógica da ruína da ditadura, como observou Hannah Arendt. A revolução moderna se faz contra a ditadura da physis política e seu direito natural real nas mãos dos ricos em antagonismos (cultural político econômico) sem equilíbrio com as massas.                          

De teoria do capital moderno como prática, a ciência moderna alterou a physis cidadela- versus cidade das massas-aldeia. O Estado moderno se caracteriza por aplicar técnica moderna e ciência ao mundo-da-vida das cidades. As lutas das massas no século XIX em Paris, a Comuna de Paris em 1871, os partidos socialistas e, finalmente, a Revolução Russa se constituíram no motor da transformação no Ocidente da transdialética da physis cidadela-ditadura versus cidade das massas e, portanto, da democratização do Estado moderno.

Pela physis política é tranquilo afirmar que o Estado moderno democrático jamais existiu no Brasil e na América Latina. No continente americano, ele só ex-siste nos EUA e no Canadá.         

 A ciência do Estado é a ciência do real, da physis política.

Nem mesmo a América é capaz de ver botas negras chegando na escuridão!

ARISTOTELES. Obras. Madrid: Aguilar, 1982
BLOCH, Ernst. Le príncipe esperance. v. 1. Paris: Gallimard, 1976
FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. SP: Companhia das Letras, 2008
HEGEL. Fenomenologia do espírito. Parte I. Petrópolis: Vozes, 1992
HERÁCLITO. Os pré-socráticos. Fragmentos, doxografia, comentários. Os Pensadores. SP: Abril Cultural, 1978
KAYSER, Wolfgang. O grotesco. SP: Perspectiva, 1986
MONTESQUIEU. Grandeur et décadence des romains. Paris: Flammarion, 1968
MUMFORD, Lewis. A cidade na história. Suas origens, transformações e perspectivas. SP: Martins Fontes, 1991
WEBER, Max. Economia e sociedade. v. 2. Brasília: Editora UNB, 1999